“Sou professora e tenho uma filha com TDAH, hoje com 22 anos de idade e com a vida toda desestruturada por haver fracassado nos dois processos que se supõe serem os mais importantes para um bom desenvolvimento: o relacionamento social e a escola. A falta de conhecimento, não só minha, mas principalmente da equipe escolar retardou o diagnóstico, o que causou inúmeros sofrimentos, pois minha filha foi discriminada e eu, rotulada de negligente, além de ser vista como aquela que não sabia impor limites e disciplina aos filhos. Diagnosticada somente aos 16 anos. Não que eu não tenha procurado ajuda em tempo hábil, pelo contrário, comecei a perceber muito cedo que havia algo errado. Antes de um ano de idade já era um bebê de difícil manejo, chorava muito, tinha muitas cólicas. Até os três anos e meio, época em que começou a frequentar a escola, tive muita dificuldade para encontrar alguém que me ajudasse a cuidar dela, não gostava de ninguém, era altamente agressiva, não deixava que se aproximassem dela, dar banho, pentear cabelo então, era coisa que somente eu ou o pai poderíamos fazer. Eu achava isso o “fim do mundo”, não sabia como lidar e como não dispunha de nenhum conhecimento, não pude prever que o pior ainda estava por vir. Foi justamente no ambiente escolar, onde eu esperava que tudo melhorasse que os problemas se avolumaram. Não conseguia socializar, não obedecia e não fazia um rabisco sequer. Todos os dias eu ia chamada à escola e as queixas eram as mais diversas: “não para, não faz nada, implica com os colegas, não dá sossego a ninguém, não obedece”. Essas eram as queixas do vigia à dona da escola. À medida que o tempo ia passando os problemas só pioravam. Quando pedia ajuda para a equipe escolar sobre que tipo de ajuda procurar, me diziam que ela tinha muita energia. Outras vezes deixavam subentendido que a culpa era minha, noutras se sensibilizavam (muito raramente) com a minha situação e me pediam para ter paciência. Parei de trabalhar para ajudá-la nas tarefas escolares, missão que exigia de mim muita disponibilidade de tempo e de paciência, coisa que nunca tive muita, e que contribuiu e muito para que os sintomas se agravassem. Porém, consegui alfabetizá-la, o que não ajudou muito na realização das tarefas e nas avaliações, pois não conseguia parar um segundo para ler sozinha, não conseguia se concentrar, necessitando de supervisão em tempo integral. Como não fazia as tarefas da sala de aula, comecei a pegar o caderno dos coleguinhas e o trabalho em casa era dobrado, não sobrava tempo para brincar e o nível de estresse aumentava a cada dia. No ano de 2000, prestei vestibular para Licenciatura em Letras/Português e fui aprovada, no ano seguinte prestei concurso público para professor e também fui aprovada. Tive muita dificuldade para conciliar trabalho e as idas à escola. Quase todos os dias ia chamada por que ela estava passando mal e precisavam da minha permissão para mandá-la para casa ou levá-la ao hospital. Medicava, levava para casa e voltava para o trabalho e depois ficava sabendo que ela havia sido vista nos mais diferentes lugares e companhias. Começou a mentir, já não entrava mais na escola, apesar de sair todos os dias e voltar no mesmo horário. Quando descobri, me pediu para mudá-la de escola que tudo iria ser diferente. Segundo semestre, outra escola, outros materiais, outros livros, outro fardamento e no final do ano letivo não tinha nota nem em artes. Como não era aceita pelo grupo, começou a pegar coisas e dinheiro para presentear as colegas que cada dia mais se aproveitavam da ingenuidade dela. Um dia apresentava alguém como a melhor amiga, no outro, não queria nem ouvir falar o nome. Chegou ao ponto da dona da escola me chamar e me dizer que não deveria mais gastar dinheiro com escola porque ela não queria estudar e não era mais possível mantê-la na escola. Mudei-a de escola novamente e foi quando ela assumiu que não queria estudar, não importava o que eu viesse a fazer. E foi assim, com a minha ausência e o advento da adolescência, a libido cada dia mais aflorada que tudo se complicou ainda mais. Quando percebi já estava namorando, mudava de um relacionamento para outro sem nenhum critério de seleção. Assim como queria viver, sem obedecer a ninguém, ditando as próprias regras. E como era de se esperar, um belo dia descobri que estava grávida aos 16 anos. O namorado também era menor e não assumiu e eu não tive coragem de cobrar nada, até porque reconheço a impossibilidade dela se equilibrar em um relacionamento. Com a gravidez vieram a depressão, os problemas com a estima em consequência do abandono etc. Sofri horrores convivendo com adolescentes na mesma faixa etária buscando um futuro enquanto ela estava jogada em um sofá na frente da TV comendo por compulsão e engordando cada dia mais. Achei que aquela seria a maior de todas as lições e qual não foi a minha surpresa, quatro anos depois lá estava ela grávida novamente. Para muitos o pior do TDAH é a hiperatividade e a impulsividade, para outros a dificuldade de concentração. Porém, para mim, todos esses sintomas são desgastantes, sem sombra de dúvida. Não é fácil dar conta de tudo que o outro perde, não é fácil dar conta da bagunça fruto da desorganização de quem desconhece a ordem das coisas, não é fácil aceitar que o outro esqueceu a ordem que acabou de ser dada. No entanto, nada se compara ao fato de se ver alguém sofrer, ser humilhado e por mais dolorosa que tenha sido a experiência, não ter aprendido nada com ela, e voltar a repeti-la na primeira oportunidade. Foi o meu sofrimento como mãe e a minha angústia como professora, por não saber como ajudar essas crianças que me levaram a pesquisar cada vez mais sobre os distúrbios e transtornos que afetam a criança em idade escolar. Hoje, sou psicopedagoga e especialista em AEE – Atendimento Educacional Especializado – pela UFC e me especializando em neuropsicopedagogia. Sou idealizadora de um projeto que tem como principais objetivos orientar os docentes sobre TDAH e oferecer atendimento multiprofissional ao portador. Luto não só pela inclusão dessas crianças, mas, principalmente pela sensibilização do professor e da família nesse processo, não só para que essas crianças sintam-se \”inclusas”, mas, sobretudo, ACEITAS. A razão me diz que fiz tudo que era possível. A emoção de um coração de mãe que não deseja para os filhos nada menos que a felicidade, me questiona a cada dia. SERÁ? Nessa luta conto e quero agradecer as orientações da ABDA, do site atencaoprofessor.com.br e da comunidade Aprender Criança.