Quando minha filha Camila estava com quase 10 anos fiquei grávida do Pedro(19). A gravidez foi tranquila, porém o bebê não era tão tranquilo assim, já que me acordava quase toda noite de tanto se mexer. Quando nasceu foi uma festa, um bebê depois de tanto tempo… Era uma criança aparentemente calma, porém sofria muito quando saía da rotina de um rescém nascido (como ir ao pediatra, ou a um passeio) ficando muito agitado. Quando íamos ao restaurante, ele comia em pé e logo saía correndo, quase derrubando os garçons. Adorava ver filmes da Disney, mas é claro que não era da maneira convencional, e sim de ponta cabeça ou pulando feito pipoca na panela. Entrou no mini maternal com 2 anos e meio. Logo a coordenadora me perguntou se poderia colocá-lo direto no maternal, pois aprendia rápido e depois perdia o interesse. Eu concordei. Com 4 anos foi para um grande colégio aqui da cidade de São Paulo. Já no Jd.II a professora me alertou sobre a distração do Pedro, jamais falou sobre DDA por também desconhecer. No final da aula, pedia para que o Pedro guardasse o estojo no seu armário e ele o fazia, porém esquecia da tampa e novamente a professora chamava sua atenção para o ocorrido, então ele levava o estojo de volta à mesa, pegava a tampa e a guardava (e claro que o estojo permanecia esquecido na mesinha). E assim foi até o pré, hoje primeiro ano… Já na 2ª ano, as coisas foram se complicando, a desatenção aumentando. A professora me dizia que não sabia como “resgatar” a concentração do Pedro e que também não queria mais chamar sua atenção diante da classe, porque seus amiguinhos já tinham um coro “O Pedro, sempre você Pedro…” Aos 6 anos foi fazer terapia e fez até os 14 anos. Enquanto a terapeuta trabalhava a parte emocional do meu filho. Enquanto isso, na escola, ficava durante as 4 horas de aula sem ao menos fazer o cabeçalho. Muitas vezes se recusava a fazer a prova (pois a professora já havia se estressado com ele). Logicamente ia parar na sala da coordenadora, que com muito amor, o “desarmava” e ele acabava por fazê-la. Eu sou professora de Educação Física da rede pública do município de São Paulo e naquela época dava aulas para crianças da 3ª série( 4 ano). Por várias vezes ouvia as professoras das classes discutirem sobre os alunos, rotulando-os de “preguiçosos, sem educação, sem limites, sem vergonha, e tudo mais…”. Em meu íntimo, achava que meu filho deveria ser igual àquelas crianças… As professoras também diziam que as mães pouco se importavam com seus filhos e novamente eu ficava incomodada porque me importava e muito com meu filho. Já tinha tentado de tudo, desde presentes, dinheiro, surras, castigos, que não adiantavam… As palavras que por muitas vezes saíram da minha boca em momentos de raiva, infelizmente não pude apagar, porém resgatei atitudes sensatas e a paciência necessária. O pior de tudo era a total ignorância sobre o TDAH e com isso os procedimentos totalmente equivocados. Mesmo desconhecendo o TDAH, buscava maneiras de fazer com que meu filho prestasse atenção em qualquer pedido que lhe fizesse, insistindo que olhasse em meus olhos e repetisse o que eu havia dito, e dava resultado. Às vezes, quando contrariado, e por causa da sua impulsividade, ele parecia ser um garoto sem educação e sem limites e eu era criticada pela família que acreditava ser eu a culpada por não saber “educar” meu próprio filho. Após uma mau criação ele se arrependia e sofria. Na escola tudo continuava na mesma, ele começava uma atividade e não terminava, mudava de uma tarefa para outra sem se concentrar em nenhuma, não parava sentado, perdia todo o material, falava sem parar, não copiava quase nada no caderno. Ficava muitas vezes de castigo sem poder ir ao intervalo, sem aulas de educação física, sem aulas de artes e mesmo assim nada resolvia. Em casa, eu contribuía com algumas palmadas e outros castigos (ficava sem vídeo game, sem Mac Donalds, sem brincar com amigos). Às vezes ele melhorava uns dois ou três dias, mas logo voltava ao “normal”. Quando estava com 7 anos, a psicóloga me aconselhou que o Pedro também fizesse um trabalho paralelo com uma psicopedagoga. Assim foi feito. Ao final de um ano, o Pedro não havia melhorado absolutamente nada. Eu não me conformava, deveria haver algo errado com ele, mas o quê? Foi então que em dezembro de 2000, abrindo a revista Veja li a reportagem “Eles São da Pá Virada” escrita por um conceituado médico psiquiatra (especialista em TDAH) do Hospital das Clínicas de São Paulo. A matéria se referia ao fracasso escolar de algumas crianças que já haviam mudado várias vezes de escola, de psicólogos e sempre permaneciam com os mesmos problemas até serem diagnosticadas e tratadas. A matéria mostrava um quadro com as características típicas do TDAH, a “desatenção”, a “hiperatividade” e a “impulsividade”. Se uma criança apresentasse seis ou mais características por mais de seis meses em diferentes tipos de ambientes (escolar, familiar, social) ela poderia ser portadora do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Achei que meu filho tinha TDAH, pois apresentava mais de 9 itens. Guardei a revista. No ano seguinte, como nos anteriores, comprei tudo novo para o Pedro, mochila e estojo escolhidos por ele, lápis de cor de 36 cores (nem sei por que eu comprava já que ele nunca usava), tinha mandado fazer uma nova escrivaninha em seu quarto (onde ele às vezes passava mais de 8 horas para fazer alguns exercícios da lição de casa). Na primeira semana de aula, como era começo da 2ª série (3º ano), ainda com 7 anos (faria 8 anos em setembro), a escola proporcionou apenas atividades lúdicas. Até aí estava tudo sob controle… Mas no primeiro dia efetivo de aula, o Pedro mal copiou o cabeçalho… Peguei a revista que tinha guardado, liguei para o serviço de informações e consegui o telefone do consultório do psiquiatra que havia feito a matéria. Marquei uma consulta. Quando meu marido chegou, disse a ele o que havia feito. Prontamente me perguntou se eu estava maluca, disse que toda criança é assim na escola, e ele também tinha sido (o TDAH é hereditário)…Eu simplesmente respondi que gostaria que o médico me dissesse que de fato estava errada ou que nosso filho tinha TDAH e que iríamos tratá-lo da maneira correta. Foi diagnosticado com TDAH. Fiquei com muita esperança… Mas tinha que vencer a resistência do meu esposo em medicar o Pedro. Mesmo com terapia, sua auto estima não ia lá muito bem e eu precisava fazer algo antes que fosse tarde. Confesso que também fiquei com medo em dar um remédio de tarja preta. Após meu marido e eu vencermos o preconceito de medicação controlada, começamos a ministrar o remédio. A melhora na atenção e agitação foi imediata, com algumas recaídas até o médico acertar a dosagem. Na escola seu rendimento passou a ser satisfatório. Após o diagnóstico, levei o relatório do psiquiatra para a coordenadora do colégio, juntamente com todo o material sobre TDAH que imprimi da Internet em 2001. Ela com sua infinita bondade e humildade me agradeceu dizendo que passaria o final de semana estudando o transtorno. Depois disso, e com o apoio da direção, ela teve uma reunião com os professores do ensino fundamental que começaram a participar de palestras e cursos sobre TDAH e assim começou a ajuda não apenas para meu filho, mas para várias outras crianças com os mesmos problemas. Quando o Pedro foi para a 5ª série (6º ano), meu esposo e eu resolvemos mudá-lo de colégio. Meu receio foi grande, seria tudo novo para ele, com exceção de um amigo que também iria para a mesma escola. Minha insegurança se devia à aversão que os hiperativos têm em mudar a rotina, pois o interno deles é tão desorganizado que qualquer mudança passa a ter um peso exageradamente grande para eles. O mais inacreditável é que escolhemos um colégio alemão.. Imaginei que o meu filho não ficaria mais que um ano no colégio, por supor que sua atenção não seria suficiente nem mesmo com a medicação, afinal, alemão é uma língua muito difícil, com uma escrita muito complicada. Para nossa surpresa, ele se adaptou facilmente à escola e aos novos amigos, e passou a ser um dos melhores alunos da adaptação de alemão. Hoje o Pedro está com 19 anos, (por sua vontade e autorização do médico parou a medicação aos 16 anos) e está no final do 3º semestre da Faculdade cursando Publicidade, está mais calmo embora algumas vezes apresenta alguma dificuldade em controlar sua impulsividade (em casa), mas conhece os seus limites, é extremamente amoroso, é consciente do seu TDAH e o encara de um modo tranquilo, pois acredito que eles vêem o problema com os mesmos olhos que nós o vemos. Quando era menor me perguntou se seria sempre assim e eu, mesmo com o coração apertado, respondi que as crianças que necessitavam de óculos para copiar a lição da lousa, quando crescessem, também teriam que usar os óculos para dirigirem um carro. E ele entendeu que todas as pessoas podem ter problemas diferentes sem deixar de levar a vida normalmente. O tratamento para dar certo deve ser multidisciplinar: família, médico, escola, psicólogo, psicopedagogo. Hoje, minha experiência de mãe aliada a de educadora, me permite abordar os pais de meus alunos com possível TDAH, contar um pouco da minha história com meus filhos, e aconselhá-los a procurar ajuda de um especialista para que seus filhos tenham a mesma oportunidade que os meus tiveram e ainda tem. O mais importante de tudo isso é o AMOR, é ele que nos dá a força necessária para tirarmos todas as pedras que possam aparecer em nossos caminhos, é ele que nos alimenta nos dias que estamos sem forças, é ele que levanta nossas cabeças quando estamos por terra e é ele que nos transforma em leoas para defendermos a FELICIDADE dos nossos bens mais preciosos, nossos FILHOS. Depoimento cedido por Gisele Caso Queiroz 49 anos Mãe de um adolescente com TDAH Professora de Educação Física e Pós-Graduada em Psicopedagogia