O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um dos transtornos mais prevalentes da infância e adolescência[1]. Nas últimas 2 décadas, com o constante crescimento do conhecimento acerca do TDAH, novos questionamentos sobre sua etiologia vêm surgindo. Achados consistentes em pesquisas realizadas com familiares de portadores de TDAH já demonstraram as altas taxas de herdabilidade do transtorno[2]. Embora não se tenha dúvida sobre a influência da genética na etiologia do TDAH, diversos estudos sugerem que o ambiente familiar também está envolvido. Outro achado que merece destaque é a alta incidência de sintomas de ansiedade e depressão em crianças com TDAH e também em seus familiares[3].

Todo este conhecimento nos leva a novos questionamentos. Podemos resumir alguns destes da seguinte forma: De que maneira a genética e o ambiente familiar interagem e influenciam a incidência de TDAH e de sintomas de ansiedade e depressão? De que forma os sintomas de ansiedade e TDAH estão relacionados? Como medir a influência do TDAH sobre os sintomas ansiosos, e vice-versa?

Recente pesquisa com famílias de crianças com TDAH foi conduzida na Universidade Federal do Rio de Janeiro com objetivo de investigar algumas das questões acima citadas. Os primeiros achados desta pesquisa foram descritos no artigo “Multilevel analysis of ADHD, anxiety and depression symptoms aggregation in families”[4].

Os resultados obtidos indicam que a presença e a gravidade dos sintomas de desatenção em mães exercem um efeito significativo sobre a ansiedade da prole. Em outras palavras, quanto mais graves forem os sintomas de desatenção em mães, maior será a prevalência de sintomas de ansiedade na prole. Estes resultados são ainda mais significativos para crianças do gênero masculino.

Houve uma correlação inversa entre a hiperatividade em pais e ansiedade na prole. Ainda que pareça paradoxal, este resultado pode ser explicado através de variáveis associadas ao meio familiar. Diversos estudos já investigaram como o ambiente familiar pode influenciar a expressão dos sintomas em diferentes integrantes de uma mesma família. Em um estudo publicado por Minde e cols[5], alguns dos resultados levaram os autores à hipótese de que esposas de homens com TDAH são mais tolerantes e dão maior suporte aos seus maridos quando comparado com homens sem TDAH casados com esposas que possuem este diagnóstico. No primeiro caso, estas mães tendem a ser mais cuidadosas também com seus filhos e, consequentemente, apresentam melhor comportamento adaptativo social. O resultado final é um ambiente familiar mais harmonioso com menor prevalência de sintomas ansiosos ou depressivos.

Esta pesquisa também revelou que os sintomas de ansiedade em mães guardam uma correlação direta com os níveis de desatenção de suas filhas. Isso poderia ser explicado pelo fato de que mães com altos níveis de ansiedade frequentemente apresentam dificuldades no cuidado com seus filhos. Uma consequência direta deste fato é o aumento dos níveis de ansiedade nestas crianças e a piora do controle da atenção. Outra explicação possível reside no fato de que cuidar de crianças com TDAH representa, per si, um fator de risco para aumento de ansiedade em mães.

Correlações significativas entre níveis de ansiedade de mães e filhos também foram obtidas. Ansiedade materna teve influência significativa sobre a presença de depressão na prole, especialmente, sobre o gênero feminino. Por outro lado, nenhuma correlação estatisticamente significativa foi achada entre ansiedade paterna ou sintomas depressivos nestes, e sintomas de TDAH, depressão e ansiedade em crianças.

Muitas discussões relevantes podem surgir a partir destes resultados. Entretanto, há um achado específico deste estudo que deve ser ressaltado. Praticamente todos os resultados significativos foram relacionados às taxas de agregação de sintomas entre mães e crianças. A influência paterna sobre a sintomatologia da prole não foi importante quando comparada à materna. Por este motivo, as pesquisas sobre os fatores de risco genéticos e ambientais devem considerar o efeito do gênero parental como uma variável relevante. Saber se essa diferença de gênero dos pais atua diretamente como fator de risco ou apenas como fator mediador de outras diferentes variáveis permanece como uma das questões mais desafiadoras do momento.

 Escrito por Daniel Segenreich, Bernardo Carnevale e Ana Carolina Castro

 



[1]Klein RG, Mannuzza S, Olazagasti MA, Roizen E, Hutchison JA, Lashua EC, Castellanos FX (2012) Clinical and functional out- come of childhood attention-deficit/hyperactivity disorder 33 years later. Arch Gen Psychiatry 69(12):1295–1303

[2]Chang Z, Lichtenstein P, Asherson PJ, Larsson H (2013) Developmental twin study attention problems: high heritabilities throughout development. JAMA Psychiatry 70(3):311–318

[3]Segenreich D, Fortes D, Coutinho G, Pastura G, Mattos P (2009) Anxiety and depression in parents of a Brazilian non-clinical sample of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) stu- dents. Braz J Med Biol Res 42(5):465–469

[4]Segenreich D, Paez MS, Regalla MA, Fortes D, Faraone SV, Sergeant J, Mattos P. Multilevel analysis of ADHD, anxiety and depression symptoms aggregation in families. Eur Child Adolesc Psychiatry. 2014 Aug 26. [Epub ahead of print]

 

[5]Minde K, Eakin L, Hechtman L, Ochs E, Bouffard R, Greenfield B, Looper K (2003) The psychosocial functioning of children and spouses of adults with ADHD. J Child Psychol Psychiatry 44(4):637–646