Conexão de Risco: Traços de TDAH e a Tomada de Decisão no Mercado de Ações

 

Dr. Rodrigo Nogueira Borghi Médico Psiquiatra – CRM 138.816-SP

A relação entre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e as dificuldades financeiras é um campo de crescente interesse para clínicos e pesquisadores. Sabemos que adultos com TDAH enfrentam um risco aumentado para desafios como gastos por impulso, acúmulo de dívidas e dificuldades em poupar. Frequentemente, isso se reflete em menores rendimentos ao longo da vida e maior dependência financeira. Contudo, uma área de alto risco e consequências potencialmente graves – o mercado de investimentos online – permanecia menos explorada.

Um recente estudo em pré-publicação (ainda não revisado por pares), intitulado  “Wired for Risk: ADHD Traits and Financial Decision Making in Stock Trading”, lança uma luz importante sobre este tema. A pesquisa investigou como os traços de TDAH se associam ao comportamento financeiro de investidores ativos. Este artigo se propõe a traduzir e discutir as principais evidências deste trabalho para a comunidade da ABDA, oferecendo insights valiosos para pacientes, familiares e profissionais de saúde.

O Perfil do Estudo: Quem São os Investidores?

O estudo analisou dados de 945 investidores ativos em plataformas online. A amostra era predominantemente masculina (74,5%), com idade mediana de 34 anos, e caracterizada por um alto nível educacional e de renda em comparação com a população geral.

Para avaliar os traços de TDAH, os pesquisadores utilizaram uma escala de autorrelato validada, alinhada com os critérios do DSM-5. É crucial notar que o estudo mediu traços de TDAH na comunidade, não realizando um diagnóstico clínico formal. Dentro desta amostra, 5,7% dos participantes preencheram os critérios de sintomas sugestivos de TDAH, uma prevalência ligeiramente superior à média da população geral.

As Principais Descobertas: Risco, Retorno e Comportamento

A investigação revelou uma associação clara entre a intensidade dos traços de TDAH e comportamentos financeiros específicos.

  • Maior Tolerância ao Risco: Indivíduos com maior pontuação para traços de TDAH demonstraram uma tolerância ao risco financeiro (FRT – Financial Risk Tolerance) significativamente maior. Esse apetite por risco era impulsionado principalmente por uma maior disposição para o  risco especulativo, ou seja, a prontidão para se envolver em atividades financeiras com retornos incertos, mas potencialmente altos.
  • O Papel Surpreendente da Desatenção: De forma talvez contraintuitiva, o estudo encontrou que a desatenção, teve maior contribuição do que a hiperatividade/impulsividade, com a maior tolerância ao risco financeiro. Os autores sugerem que a desatenção pode levar a uma inconsistência entre o planejamento inicial e a ação final, além de amplificar vieses comportamentais como a aversão à perda e o excesso de confiança, impactando as decisões em mercados voláteis.
  • Maior Risco, Menor Retorno: Este é um dos achados mais importantes. Apesar de assumirem mais riscos, os participantes com traços de TDAH mais elevados apresentaram uma correlação negativa com os retornos de suas carteiras. Em outras palavras, a maior propensão ao risco não se traduziu em melhores resultados financeiros; pelo contrário, esteve associada a um desempenho inferior.

Que Comportamentos Indicam Maiores Traços de TDAH?

A análise de regressão do estudo permitiu identificar quais comportamentos financeiros eram preditores de uma maior pontuação para traços de TDAH. Os resultados foram consistentes com o que conhecemos sobre o transtorno.

Os principais preditores positivos (comportamentos associados a MAIS traços de TDAH) foram:

  • Frequência de Negociação Elevada: Realizar mais operações de compra e venda no mercado foi um preditor significativo de maiores traços de TDAH. Isso reforça estudos anteriores que sugerem que o trading frequente pode refletir tendências comportamentais mal adaptativas e, historicamente, leva a piores resultados de investimento a longo prazo.
  • Risco Especulativo: A já mencionada disposição para assumir riscos especulativos também foi um forte preditor. Este comportamento se alinha com a preferência por recompensas imediatas, uma característica frequentemente associada ao TDAH.
  • Expectativas Otimistas de Retorno: Ter expectativas de retorno mais altas (e muitas vezes irrealistas) foi positivamente associado aos traços de TDAH. Isso pode indicar uma tomada de decisão mais reativa e de curto prazo, em detrimento de um planejamento financeiro sólido.

Por outro lado, o estudo também identificou preditores negativos (características associadas a MENOS traços de TDAH):

  • Melhor Desempenho Real da Carteira: Ter um retorno financeiro maior nos últimos 12 meses esteve associado a uma menor pontuação de sintomas de TDAH.
  • Maior Conhecimento sobre Investimentos: Uma pontuação mais alta no “escore de risco de investimento”, que está ligado à literacia financeira e resiliência emocional, também previu menos traços de TDAH. Isso sugere que indivíduos mais bem informados tendem a tomar decisões mais calculadas e consistentes.

Implicações Clínicas e Recomendações

Embora este estudo tenha limitações – como o seu desenho transversal que impede conclusões de causalidade, o uso de autorrelato para os sintomas e uma amostra muito específica –, suas conclusões são de grande relevância prática.

  1. Para Profissionais de Saúde: É fundamental que médicos e psicoterapeutas incluam o comportamento financeiro em suas conversas clínicas com pacientes com TDAH. Perguntar sobre hábitos de investimento, frequência de negociação e tomada de risco pode revelar áreas de vulnerabilidade que precisam de intervenção e psicoeducação.
  2. Para Pacientes e Familiares: A consciência é o primeiro passo para a mudança. Compreender que a desatenção pode levar a uma busca por risco especulativo e a decisões financeiras subótimas é essencial. Isso não significa que pessoas com TDAH não devam investir, mas sim que precisam criar sistemas e estratégias para mitigar esses riscos. Focar em investimentos de longo prazo, automatizar aportes em fundos diversificados (como os ETFs, que eram populares na amostra do estudo) e buscar o conselho de planejadores financeiros podem ser estratégias protetivas.

Em resumo, o estudo “Wired for Risk” fornece evidências quantitativas de que os traços de TDAH, especialmente a desatenção, estão ligados a um padrão de comportamento financeiro de alto risco e baixo retorno. Ao abordar proativamente essas tendências, podemos ajudar a promover não apenas a saúde mental, mas também o bem-estar e a segurança financeira de nossos pacientes e seus familiares.

Referência Bibliográfica

Witry, Max & Schulze, Marcel & Braun, Niklas & Rohner, Henrik & Weller, Johannes & Philipsen, Alexandra & Kölle, Markus. (2025). Wired for Risk: ADHD’s Influence on Financial Behavior in Stock Trading. 10.21203/rs.3.rs-5986322/v1. Pre-Paper

 

Dr. Rodrigo Nogueira Borghi

 

Médico Psiquiatra – CRM 138.816-SP

 

Especialista em Psiquiatria e Psicofarmacologia, com residência pelo IMAS Juliano Moreira e UNICAMP, Preceptoria no Massachusetts General Hospital – Harvard Medical School, Columbia University Medical School e Universidade de Siena (Itália). 

Membro da American Psychiatric Association (APA), Neuroscience Education Institute (NEI Global), ADHD World Federation, European College of Neuropsychopharmacology (ECNP) e Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), onde atua como Coordenador do Conselho Editorial e Membro do Conselho Científico. Atua como docente no Instituto Brasileiro de Farmacologia Clínica (BIPP) e, preceptor da Residência Médica em Psiquiatria da Faculdade São Leopoldo Mandic – Araras.