TDAH e a Mulher: A Influência Oculta dos Hormônios ao Longo da Vida
Dr. Rodrigo Nogueira Borghi, CRM-SP: 138816 ( coordenador do conselho editorial da ABDA)
Por décadas, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foi predominantemente visto através de uma lente masculina. Hoje, a ciência avança para corrigir essa distorção histórica, revelando que o TDAH em meninas e mulheres não é apenas subdiagnosticado, mas apresenta manifestações, desafios e uma trajetória de vida singulares. No centro dessa redescoberta está um fator biológico poderoso e intrinsecamente feminino: a flutuação dos hormônios sexuais ao longo da vida.
Desde a puberdade até a menopausa, as mulheres vivenciam marés hormonais que, para aquelas com TDAH, podem significar uma intensificação dramática dos sintomas, impactando o humor, a cognição e a qualidade de vida de maneiras profundas.
Este artigo visa iluminar essa complexa interação, com base nas mais recentes evidências científicas, para que mulheres com TDAH e suas famílias possam compreender melhor suas experiências e buscar um cuidado mais individualizado.
A Conexão Neurobiológica: Estrogênio, Dopamina e TDAH
Para entender por que os hormônios são tão cruciais, precisamos olhar para o cérebro. O TDAH está fundamentalmente ligado a uma desregulação de neurotransmissores, especialmente a dopamina, que desempenha um papel vital no controle da atenção, motivação e funções executivas. O que muitas vezes é negligenciado é que os hormônios femininos, principalmente o estrogênio, atuam como maestros desses sistemas de neurotransmissores.
O estrogênio tem um efeito modulador sobre a dopamina: ele pode aumentar sua produção, sua disponibilidade nos receptores e inibir sua degradação. Portanto, é compreensível que, quando os níveis de estrogênio estão baixos ou flutuando drasticamente – como na semana pré-menstrual ou na perimenopausa – a já delicada regulação da dopamina no cérebro com TDAH pode ser ainda mais comprometida. O resultado é uma exacerbação dos sintomas de TDAH e de comorbidades de humor.
As Fases da Vida da Mulher com TDAH: Uma Jornada Hormonal
A interação entre hormônios e TDAH não é estática; ela evolui ao longo das diferentes fases reprodutivas da mulher.
- Puberdade e Ciclo Menstrual: A Piora Mensal
A chegada da puberdade pode ser um ponto de inflexão para meninas com TDAH, muitas vezes marcando uma piora dos sintomas ou o surgimento de comorbidades como ansiedade e depressão. A partir daí, o ciclo menstrual passa a ditar um ritmo mensal de flutuação nos sintomas.
Muitas mulheres com TDAH relatam uma piora significativa de seus sintomas na segunda metade do ciclo (fase lútea), especialmente na semana que antecede a menstruação, quando os níveis de estrogênio despencam. Nesse período, elas experimentam:
- Aumento da desatenção e “névoa mental”.
- Maior irritabilidade e labilidade emocional.
- Queda de energia e motivação.
- Perda de eficácia da medicação: Um relato comum e frustrante é a sensação de que o psicoestimulante “para de funcionar” ou tem seu efeito reduzido na semana pré-menstrual.
Essa vulnerabilidade se reflete em dados alarmantes. Um estudo de Dorani et al. (2021) encontrou que 45,5% das mulheres com TDAH preenchiam critérios para o Transtorno Disfórico Pré-Menstrual (TDPM), uma forma severa de TPM, em comparação com cerca de 28% na população geral.
Diante dessa evidência, uma abordagem terapêutica inovadora tem surgido. Um estudo de caso publicado por de Jong et al. (2023) demonstrou que aumentar a dose do psicoestimulante na semana pré-menstrual resultou em melhora significativa dos sintomas de TDAH e de humor em todas as nove mulheres participantes, com efeitos adversos mínimos. Essa estratégia, que responde diretamente à necessidade expressa pelas pacientes, representa um avanço promissor na farmacoterapia específica para mulheres com TDAH.
- Gravidez e Pós-Parto: Um Período de Vulnerabilidade
A gravidez é um período de mudanças hormonais extremas. Enquanto algumas mulheres com TDAH relatam uma melhora dos sintomas, possivelmente devido aos altos níveis de estrogênio, muitas outras não notam diferença ou até pioram, especialmente se a medicação for descontinuada.
O verdadeiro risco, no entanto, surge após o parto. A queda abrupta dos hormônios no período pós-parto cria um “choque” neurobiológico que, em mulheres com TDAH, está associado a um risco dramaticamente elevado de Depressão Pós-Parto (DPP). O mesmo estudo de Dorani et al. (2021) encontrou uma prevalência de sintomas de DPP de 57,6% em mães com TDAH, uma taxa três vezes maior que a da população geral.
- Perimenopausa e Menopausa: A “Tempestade Perfeita”
A transição para a menopausa é talvez o período mais desafiador. A flutuação errática e o declínio geral do estrogênio podem causar uma intensificação tão severa dos sintomas de TDAH que muitas mulheres, que antes conseguiam compensar suas dificuldades, buscam um diagnóstico pela primeira vez na vida, entre os 40 e 50 anos.
Os sintomas da perimenopausa – como “névoa mental”, problemas de memória, dificuldades de concentração, fadiga e alterações de humor – se sobrepõem significativamente aos do TDAH, criando uma “tempestade perfeita” que pode ser debilitante. Estudos confirmam que mulheres com TDAH relatam sintomas climatéricos mais severos do que a população geral.
Conclusão: Rumo a um Cuidado Personalizado e Informado
As evidências são claras: ignorar o papel dos hormônios no TDAH feminino é ignorar a biologia e a experiência vivida de metade dos pacientes. A jornada da mulher com TDAH é marcada por pontos de vulnerabilidade hormonal que exigem um novo paradigma de cuidado.
É imperativo que:
- Profissionais de Saúde iniciem proativamente a conversa sobre o ciclo menstrual e outras transições hormonais com suas pacientes, considerando esses fatores no diagnóstico e no plano de tratamento.
- Pacientes e Familiares sejam educados sobre essa interação para que possam entender melhor suas experiências, monitorar seus sintomas e advogar por um cuidado personalizado, como o ajuste da medicação.
- A Pesquisa continue a se aprofundar nas particularidades do TDAH feminino, com estudos longitudinais que acompanhem as mulheres ao longo da vida e testem intervenções específicas para cada fase hormonal.
O TDAH não é “tamanho único”. Reconhecer e abordar a profunda interação com os hormônios é um passo essencial para garantir que meninas e mulheres com TDAH recebam o diagnóstico correto, o tratamento eficaz e o apoio de que precisam para prosperar em todas as fases de suas vidas.
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