Reportagem recente acerca do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH) sugeriu que alguns médicos teriam procurado influenciar os demais através de publicações encomendadas pela indústria farmacêutica, citando como exemplo a publicação da qual fui editor convidado. Gostaria de comentar brevemente o conteúdo desta matéria.

1) A publicação de revistas médicas, em qualquer especialidade, é custeada com publicidade, de acordo com a regulamentação de nossa autoridade sanitária, a ANVISA. Uma publicação destinada a psiquiatras terá, por conseguinte, publicidade de medicamentos de uso psiquiátrico.

2) Acreditar que publicidade influencia o conteúdo dos artigos seria o mesmo que dizer que como os bancos estão entre os maiores anunciantes das emissoras de TV e dos jornais, qualquer matéria jornalística sobre o sistema bancário deva ser considerada suspeita.

3) Os artigos na publicação representam o resultado do trabalho de médicos e psicólogos renomados envolvidos em pesquisas nas diversas áreas relacionadas ao TDAH.

4) Em obediência aos princípios de transparência que regem as publicações científicas, todos os autores, sem exceção, informaram todos os potenciais conflitos de interesses (verbas para pesquisa, participação em comitês de indústrias farmacêuticas, etc.), de modo que o leitor pudesse ajuizar a sua independência em relação ao que foi escrito. Todos os artigos foram avaliados e julgados por outros experts, de modo anônimo.

Tendo mais de 20 anos de formado, já assisti a vários movimentos semelhantes ao que hoje vemos em relação ao TDAH. Já presenciei uma passeata ruidosa em frente ao hospital onde trabalhava “contra” o Transtorno do Pânico, que seria uma doença “inventada” por laboratórios para vender medicamentos. O mesmo já aconteceu com várias outras doenças e o TDAH parece ser simplesmente a “bola da vez”.

A descoberta e divulgação de conhecimentos científicos freqüentemente causam impacto porque colocam em xeque conhecimentos anteriores e, algumas vezes, crenças pessoais. Mas é assim que evolui a ciência. O debate científico exige hipóteses que possam ser testadas em pesquisas científicas, os argumentos devem ter coerência e serem fundamentados em dados objetivos, não em discursos repletos de retórica e citações de efeito. As discussões não são vencidas pela crença da maioria e sim pelo questionamento das hipóteses a partir de estudos científicos com metodologia rigorosa. E os estudos de que dispomos até o momento informam claramente que o TDAH é um transtorno neurobiológico, com importante participação genética, causando sérios prejuízos aos portadores, sua família e à sociedade. Se alguém souber de dados científicos em contrário, tem a obrigação moral de publicá-los, para que também sejam avaliados criteriosamente pelos demais. Não há mais espaço para opiniões pessoais, o famoso “achismo”.

Como os associados da ABDA podem avaliar uma reportagem sobre TDAH? Uma matéria que só apresenta um único ponto de vista e nem sequer entrevista quem pensa diferente dificilmente será minimamente séria, por razões óbvias. Quando os “especialistas” entrevistados são desconhecidos da comunidade científica e seus nomes não constam em nenhum banco de dados de publicações científicas sobre o Transtorno do Déficit de Atenção e não participam de grupos de pesquisa universitários, é possível ter certeza de que se perdeu tempo.

Por último, gostaria de mencionar que o mais me incomodou na reportagem foi a sugestão de que as crianças com TDAH precisariam “de amor”. Considero isto um desrespeito com todas as mães e pais que sofrem com um filho portador e que tentam ajudá-lo de todas as formas possíveis, justamente porque o amam.