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Joseph Sergeant

Cerca de 350 psicólogos, psiquiatras, neuropsicólogos e outros profissionais de saúde participaram no dia 11 de setembro de 2010 do Simpósio Internacional sobre TDAH e Transtornos de Aprendizagem, promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O evento contou com a participação do psiquiatra holandês Joseph Sergeant, coordenador da Rede Europeia de Pesquisa em TDAH e professor emérito de Neuropsicologia Clínica da Universidade Vrije.

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Joseph Sergeant

Na sua aula inaugural, Sergeant defendeu que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade seja tratado o mais cedo possível, uma vez que a plasticidade cerebral diminui por volta do 24º aniversário, ficando mais difícil para o cérebro se flexibilizar depois. “Isso não quer dizer que uma pessoa com 18, 20 anos não possa tratar o TDAH, mas sim que o tratamento nessa idade será mais lento e mais difícil”, explicou Sergeant. “Por isso, meu recado é: use seu cérebro ou perca-o!”.

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Joseph Sergeant

A habilidade de inteligência, esclareceu Sergeant, depende do desenvolvimento neural do cérebro. “As redes neurais que conectam diferentes partes do cérebro nos dão flexibilidade, nos permitem desenvolver novas funções, detectar erros e corrigi-los. Crianças com dificuldade de aprendizagem possuem um menor número de conexões entre os dois hemisférios cerebrais, e hoje sabemos que pelo menos 40% das crianças com TDAH têm dificuldades de aprendizagem, pois o cérebro delas se desenvolve mais lentamente.”

A maturação cerebral mais lenta de uma criança com TDAH pode resultar num QI até dez pontos menores do que o esperado para a idade cronológica do paciente, embora ele consiga recuperar essa diferença ao longo do seu desenvolvimento.

Sergeant lembrou ainda que a memória é essencial para o aprendizado. Como os mecanismos da memória estão localizados em diferentes partes do cérebro e não numa única região do órgão, há pacientes com uma ampla variedade de transtornos de memória. “Hoje sabemos que o hipocampo é crucial para o processamento de informações, particularmente para a aquisição delas”, disse o professor.

Em sua última intervenção no simpósio, Seargent falou sobre as emoções, que são a motivação primária do comportamento. “A amígdala está diretamente envolvida na produção de emoções, seja no sistema de felicidade ou de medo. Ela pode provocar, por exemplo, uma mudança súbita na frequência cardíaca e pulmonar que nos dá a sensação de congelamento.”

Diretamente ligada ao córtex frontal, a amígdala pode até mesmo aumentar de tamanho em razão de uma exposição de longo prazo ao medo ou de grande privação ambiental, como demonstrou um estudo com crianças romenas adotadas por famílias do Reino Unido. Essas crianças, todas com problemas mentais, foram vítimas de maus-tratos no seu país de origem. Como resultado, elas passaram a reconhecer rapidamente quaisquer sinais de medo ou raiva.

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Erasmo Casella

Após a exposição de Sergeant, o coordenador do ambulatório de TDAH do Instituto da Criança e neuropediatra Erasmo Casella falou mais detalhadamente sobre os distúrbios de aprendizagem que afetam de 15 a 40% das pessoas com TDAH. “15 a 30% dos pacientes têm dificuldade na leitura e 10 a 40%, com os cálculos, lembrando que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade atinge de 4 a 6% da população”, disse Casella.

O neuropediatra chamou a atenção para a diferença de conduta entre uma pessoa com TDAH e alguém com dificuldade de aprendizagem. “O paciente com TDAH tem dificuldade em perceber o estímulo, focar e manter o foco. Ele não inibe a primeira resposta, planeja mal a distribuição do tempo, não lê ou ouve toda a instrução, não considera outras respostas e não pede ajuda. Já a criança sem TDAH mas com dificuldade de aprendizagem pode sofrer de ansiedade, depressão, baixa visão, anemia ou pode simplesmente não se adaptar à técnica de ensino utilizada pela escola.”

Casella diferenciou ainda a dislexia, que envolve uma dificuldade de decodificação, da dificuldade de leitura associada ao TDAH. “A pessoa com o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade pode ter dificuldade na compreensão, organização, sequenciamento e auto-monitoração para contar as histórias que leu. Mesmo sem dislexia, a pessoa com TDAH lê mais devagar, tanto que tem direito a um tempo de prova maior no vestibular.”

O coordenador do ambulatório de TDAH do Instituto da Criança ressaltou que o paciente com TDAH que tem dificuldade de leitura deve realizar exercícios como ditados, cópias e combinações com rimas, por exemplo, a fim de melhorar o desempenho escolar. As associações irrelevantes que os pacientes com o transtorno costumam fazer têm a ver com a sua maturação mais lenta. Com relação à medicação, Casella lembrou que a dopamina, um neurotransmissor de ação inibitória, é essencial para aprender.

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Erasmo Casella, Marcos Mercadante e Beatriz Shayer

A discussão em torno da existência ou não do TDAH foi mencionada por Marcos Mercadante, professor adjunto de Departamento de Psiquiatria da Unifesp. “Tenho a convicção de que o TDAH e a dislexia são conceitos, pois eles estão relacionados a genes reguladores da plasticidade neuronal. Ainda assim, os diagnósticos são baseados em expressão fenotípica, uma vez que não existe nenhuma comprovação de um problema no córtex pré-frontal dos pacientes. O que nós sabemos é que os circuitos neurais dessas pessoas usam o córtex pré-frontal para projetar suas especificidades”, declarou Mercadante.

Para o professor, o diagnóstico de TDAH ainda é limitado em termos de neurociência, o que pode estar enviesando a estratégia atual de tratamento. Uma prova disso é que os pacientes apresentam “respostas diferentes ao metilfenidato”.

A neuropsicóloga e terapeuta comportamental Beatriz Shayer também criticou em sua exposição a falta de marcadores neurológicos que aumentem a eficácia do diagnóstico de TDAH: “O Déficit de Atenção e Hiperatividade é o transtorno de infância mais estudado, mas o público ainda tem dificuldade em entendê-lo e aceitá-lo porque não há sinais físicos nem exames que o comprovem. É preciso que realizemos esforços em busca de evidências neurológicas, cognitivas ou genéticas do TDAH”.

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Joseph Sergeant e Maria Conceição do Rosário

A professora de Psiquiatria e organizadora do evento Maria Conceição do Rosário, da Unifesp, citou a ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção) como uma referência para os pacientes. Conceição explicou que o TDAH é um transtorno complexo, por envolver a interação de fatores genéticos, ambientais, substrato neurobiológico e fenótipo.“Assim, o que importa no TDAH é quanto há de sintoma para cada tipo de diagnóstico”, disse.

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Maria Conceição do Rosário

Sabe-se que alguns fatores influenciam a ocorrência ou não do transtorno, como hereditariedade, tabagismo materno na gravidez, alcoolismo parental, baixo peso ao nascer, anóxia etc. Algumas possíveis consequências do TDAH são dificuldade de aprendizagem, devido ao atraso na maturação cerebral, depressão, baixa autoestima, comprometimento das habilidades sociais e maior incidência de abuso de drogas.

“O tratamento do TDAH é baseado no tripé educação, psicoterapia e medicação”, orienta Conceição. “Não há dúvida sobre a eficácia da medicação, que não causa tolerância nem dependência ao usuário. Os efeitos colaterais mais comuns são perda de apetite, cefaleia, irritabilidade, taquicardia e ansiedade.”

Na visão de Conceição, o preconceito contra as medicações psicotrópicas prejudica a adesão ao tratamento contra o TDAH, haja vista que os efeitos colaterais não são graves. Pesquisas comprovam que os adultos tomam a medicação em doses adequadas por apenas 30 dias e persistem tomando doses inadequadas por seis meses. Em se tratando de um paciente ainda criança, a adesão é tanto maior quanto mais os pais acreditam no tratamento.

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Joseph Sergeant e Paulo Mattos

O fundador da ABDA (Associação Brasileira de Déficit de Atenção) e psiquiatra Paulo Mattos, autor do livro No Mundo da Lua, acrescentou que o efeito da medicação indicada para o tratamento do TDAH é significativo, mas sendo imprescindível, portanto, o acompanhamento terapêutico. Mattos alertou ainda que o ambiente doméstico e a escolaridade materna estão diretamente relacionados ao transtorno. “Como uma mãe de uma criança com TDAH pode reclamar que o filho não lê se ela nem sabe o último livro que leu?”, questionou.

O psiquiatra contou que o TDAH é identificado em várias culturas distintas, mas que ainda hoje existem religiões que o negam. “Ao contrário da maior parte dos casos de depressão, uma psicopatologia bem aceita, o TDAH não tem o curso flutuante ou episódico, mas contínuo. Ainda assim, o metilfenidato tem um efeito maior do que todos os antidepressivos”, declarou Mattos.

O professor da UFRJ também chamou a atenção para o comportamento de enfrentamento apresentado por algumas crianças com TDAH. Por vezes, a conduta não se deve apenas à hiperatividade, mas é sintoma do um transtorno opositivo-desafiador.

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Adriana Foz

A última palestrante do simpósio, a educadora e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia, Adriana Foz, comentou que a Estimulação Magnética Transcraniana já está sendo utilizada nos Estados Unidos para tratar o TDAH. Assim como o neuropediatra Erasmo Casella, Adriana salientou a importância do paciente com TDAH realizar atividades que estimulem as funções executivas do cérebro, como atenção e memória. “Há jogos que estimulam as funções de concentração, memória e as atividades motoras”, disse.

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Jorge Simeão, Joseph Sergeant e Ronaldo Ramos

A ABDA esteve representada neste evento pelos coordenadores do núcleo de São Paulo da Associação, o psiquiatra Jorge Simeão e o psicólogo Ronaldo Ramos.

Entrevista com Joseph Sergeant, professor and chair of Clinical Neuropsychology, na Vrije Universiteit, Amsterdam, Holanda: “Na Europa, não se discute se o TDAH existe ou não”.

P: O TDAH é fundamentalmente um distúrbio de aprendizagem?
R: O TDAH é um distúrbio de comportamento que pode estar associado à dificuldade de aprendizagem. Ele não costuma ser visto como um transtorno ligado à emoção, mas também o é. Uma prova disso é que os pacientes com TDAH esperam recompensas não realistas e imediatas.

P: Qual é a melhor forma de tratamento do TDAH?
R: A combinação de terapias: familiar, medicamentosa, psicoterapia individual e aconselhamento. Os pais precisam aprender habilidades práticas, como quando dar a recompensa ou aplicar a punição e como. Muitas pessoas acham que bater na criança resolve o problema, mas isso só produz efeito por um curto período de tempo. Além disso, as famílias precisam ser informadas sobre o porquê do tratamento para aumentar a adesão a ele. No início, deve-se fazer apenas a intervenção psicológica. Os casos mais graves, no entanto, só respondem a fármacos.

P: O diagnóstico de TDAH divide os especialistas na Europa, à semelhança do que acontece no Brasil?
R: A discussão na Europa não é se o Transtorno de Déficit de Atenção existe ou não, mas em que nível o TDAH precisa de tratamento. A população em geral assume que o TDAH existe, e a maioria dos professores e médicos também. Algumas áreas ainda precisam mudar, mas estão mudando rápido em países como a Itália e a França. Apenas alguns grupos são contra a medicalização do transtorno, como os adeptos da cientologia.

Jornalista Isabel Baeta