Daniel Segenreich

Vice-presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção

A cada dia que acordamos somos desafiados a enfrentar um novo mundo à nossa frente. “Amanhã será um novo dia.…” virou, quase literalmente, “Amanhã será um novo mundo…”. Todo dia existe um novo “app”, uma nova comunidade digital, milhões de novas informações e toda uma nova forma de se relacionar e de se viver. A velocidade da rotação da terra aumentou. E o combustível é a tecnologia. Se tudo é tão rápido, como conseguiremos selecionar a informação, apreendê-la, entender o contexto e formar novos aprendizados?

O diagnóstico de TDAH não é recente. Há relatos que datam de centenas de anos anteriores. Desde a primeira metade do século passado, crianças, jovens e adultos com TDAH são reconhecidos pela medicina como tendo dificuldades de sustentar atenção, problemas de organização, inquietude e impulsividade. Quando compreendido este contexto, é muito provável que diversos questionamentos venham às nossas mentes.

Podemos assim nos indagar: A descrição de TDAH feita no século passado ainda é válida para os dias de hoje? Quais são os novos desafios enfrentados por pacientes com TDAH? Como os profissionais de saúde podem atualmente ajudar os pacientes com TDAH? Essas são apenas algumas das perguntas para este novo capítulo da nossa História.

Nesta série de artigos, discutirei alguns novos temas que acredito serem relevantes sobre o diagnóstico de TDAH e sobre o paciente com TDAH neste novo milênio. A intenção não é a de ter respostas certas, mas sim de ter questionamentos relevantes. O mundo vai continuar a rodar em uma velocidade vertiginosa. Questionar, indagar, repensar e mudar serão os verbos mais importantes deste admirável mundo novo. Pode apostar!!!

E como fica o diagnóstico de TDAH?

O diagnóstico de TDAH foi estabelecido e reconhecido nas classificações internacionais de transtornos mentais desde o século passado. Mostrou-se assim consistente até hoje. Desta forma, não se discute a existência do TDAH e não é minha intenção aqui questiona-lo. Entretanto, é bastante necessário contextualizar o diagnóstico nos dias de hoje. Sobretudo as consequências de ser portador de TDAH atualmente. Outro aspecto significativo nesta discussão é a influência da mídia digital (e mais especificamente o tempo dedicado a navegar nesta mídia) sobre a atenção, especialmente de quem não tem TDAH. Isto porque muitas pessoas se sobrecarregam de atividades paralelas e, quando não conseguem executar o que pretendem, logo se autodiagnosticam como tendo TDAH. Isto é um erro, uma banalização do diagnóstico que prejudica quem realmente é portador de TDAH.

Em sua última revisão pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), publicada na quinta edição do manual conhecido como DSM (DSM 5), o TDAH se manteve como um diagnóstico com origem na infância (os sintomas devem estar presentes antes dos 12 anos de idade), com comprometimento significativo em ambientes diversos, podendo persistir na vida adulta. O diagnóstico é clínico e não depende de exames complementares para ser feito. Uma das maneiras de se investigar comprometimento é solicitando ao paciente que dê exemplos de desfechos negativos em sua vida diária que possam se associar aos sintomas de TDAH.

É neste momento que se deve lembrar que o paciente com TDAH vive nos dias atuais, no século 21, em meio a uma gama de novas atividades, boa parte delas associadas a utilização de mídia digital. Desta maneira, podemos então nos perguntar: O paciente com TDAH utiliza a mídia digital, e mais especificamente as redes sociais da mesma forma? Será que eles têm comprometimento específico que deve ser investigado? Existe um padrão de comprometimento e então a necessidade de construirmos uma entrevista mais atualizada?

Talvez a proposição mais acertada seja a de nos dedicarmos (médicos, psicólogos, profissionais de saúde e educação) a fazer uma entrevista mais detalhada sobre como o paciente utiliza a internet. Buscar assim exemplos de vida real (surfar no mundo virtual já faz parte da vida real) onde a desatenção, inquietude e impulsividade possam trazer desfechos negativos na utilização dos diversos instrumentos digitais. Talvez seja datado perguntar “com que frequência você perde seu relógio de pulso? ”. Com uma pequena adaptação poderíamos perguntar “ com que frequência você perde seu apple watch? ”. Ou perguntar “com que frequência você inicia chats online e não dá sequencia, deixando as pessoas falando sozinhas?”. Outra exemplo de investigação de desfechos negativos poderia ser “com que frequência você manda fotos, prints de tela, e mesmo nudes, de forma impulsiva, arrependendo-se em seguida?”.

Não tenho dúvidas que ainda podemos pensar em mais uma dezena de novas perguntas. Dei acima apenas alguns exemplos. É bom lembrar que o contexto atual não se restringe ao uso de mídia digital. Porém, como um bom recorte deste admirável mundo novo, o uso da internet serve como um excelente paradigma para estas novas discussões.

No próximo texto, discutirei sobre o excesso no uso da mídia digital e sua associação com desatenção em pacientes que não possuem TDAH. Focarei no perigo do autodiagnostico, banalização do termo TDAH, e prejuízos para aqueles que realmente possuem o diagnóstico.

Até a próxima!!!

Escrito por Daniel Segenreich – Vice-presidente da Associação Brasileira do Déficit de Atenção