Coração e TDAH: Uma discussão sobre TDAH, Saúde Cardiovascular e as novas diretrizes sobre Hipertensão Arterial

Introdução: A Conexão Essencial entre TDAH e a Saúde do Coração

*Dr. Rodrigo Nogueira Borghi, CRM-SP: 138816 ( coordenador do conselho editorial da ABDA)

Para muitos adultos com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e seus familiares, a jornada para o diagnóstico e tratamento é repleta de desafios e, frequentemente, de ansiedade. Em meio a discussões sobre foco, organização e bem-estar emocional, surge um outro tema que se torna relevante dentre a esses vários que compõe o campo do TDAH: a saúde do coração.

A simples menção de “riscos cardiovasculares” associados ao TDAH ou aos seus medicamentos pode gerar um alarme compreensível, levando a questionamentos sobre a segurança e a viabilidade do tratamento.

Na qualidade de psiquiatra e docente, o objetivo deste texto, direcionado aos leitores do site da nossa querida ABDA, é abordar essas preocupações de frente, substituindo o medo pela informação e a incerteza pela ação planejada.

A ciência que investiga a intersecção entre o TDAH e a saúde cardiovascular evoluiu imensamente na última década. Hoje, dispomos de um quadro muito mais claro e matizado, que nos permite navegar por essas águas com confiança e segurança. A gestão da saúde cardiovascular não deve ser vista como um obstáculo ao tratamento eficaz do TDAH, mas sim como uma parte integrante e fundamental de um plano de bem-estar completo e de longo prazo.

O conceito central que guiará nossa discussão é o de “gestão de risco ao longo da vida”. É fundamental compreender que tanto o TDAH não tratado quanto o tratamento farmacológico apresentam perfis de risco distintos, que precisam ser compreendidos e gerenciados em diferentes fases da vida.

Este texto se propõe a desvendar essa complexa balança. Abordaremos a ligação intrínseca entre o TDAH e a saúde do coração, exploraremos a nova era no controle da pressão arterial que transformou a cardiologia recentemente, analisaremos o papel complexo dos medicamentos e, mais importante, forneceremos um plano de ação prático para fomentar uma parceria informada e proativa entre paciente e médico.

Este é um momento particularmente oportuno para esta discussão.

A crescente conscientização sobre o TDAH em adultos, impulsionada por uma maior aceitação social e pela disseminação de informações em plataformas digitais, ocorre simultaneamente a um período de avanços revolucionários na cardiologia preventiva. Esta convergência entre a psiquiatria do neurodesenvolvimento e a cardiologia moderna cria uma oportunidade única — e uma necessidade urgente — de integrar essas duas áreas da medicina que, historicamente, operavam de forma isolada. Um adulto recém-diagnosticado com TDAH hoje entra em um sistema de saúde com uma compreensão muito diferente do risco cardiovascular do que alguém diagnosticado há uma década. Portanto, este guia é temporalmente crítico, preenchendo a lacuna de conhecimento para capacitar pacientes e familiares a tomar as melhores decisões para uma vida longa, saudável e plena.

Parte 1: O Risco Duplo: Desvendando a Relação entre TDAH e Doenças Cardiovasculares

Para compreender plenamente a saúde cardiovascular no contexto do TDAH, é essencial adotar um modelo de “duplo impacto”. Este modelo nos ajuda a separar e analisar duas fontes distintas de risco: o risco que é inerente ao próprio transtorno (o “primeiro impacto”) e o risco potencialmente associado ao seu tratamento farmacológico (o “segundo impacto”). Analisar cada um desses componentes nos permite construir uma estratégia de manejo de risco informada e eficaz.

O “Primeiro Impacto” – O TDAH como Fator de Risco Independente

Uma das descobertas mais importantes da pesquisa recente é a de que o TDAH, por si só, é um fator de risco independente para o desenvolvimento de uma ampla gama de doenças cardiovasculares (DCV). Isso significa que, mesmo antes de se considerar qualquer tipo de medicação, indivíduos com TDAH já apresentam uma vulnerabilidade cardiovascular basal aumentada em comparação com a população geral.

Um estudo sueco de grande escala, que acompanhou mais de cinco milhões de adultos, revelou que aqueles com TDAH tinham duas vezes mais chances de desenvolver pelo menos uma DCV. Essa associação permaneceu significativa mesmo após os pesquisadores ajustarem os dados para outros fatores de risco conhecidos, como diabetes tipo 2, obesidade e tabagismo, confirmando o status do TDAH como um fator de risco independente. Os mecanismos por trás dessa conexão são multifatoriais e interligados:

  • Comportamentos e Estilo de Vida: A impulsividade e as dificuldades de função executiva, sintomas centrais do TDAH, podem levar a escolhas de estilo de vida prejudiciais. Isso inclui padrões alimentares irregulares e pouco saudáveis, maior probabilidade de tabagismo, sedentarismo e dificuldades em aderir a rotinas de exercícios ou tratamentos médicos para outras condições.
  • Estresse Crônico e Desregulação Emocional: A luta diária para gerenciar os sintomas do TDAH, as frustrações acadêmicas e profissionais e as dificuldades nos relacionamentos interpessoais podem levar a um estado de estresse crônico. Essa tensão constante ativa o sistema nervoso simpático (“luta ou fuga”), o que pode, a longo prazo, elevar a pressão arterial e a frequência cardíaca, sobrecarregando o sistema cardiovascular.
  • Padrões de Sono: Distúrbios do sono são extremamente comuns em pessoas com TDAH, incluindo dificuldade para iniciar o sono, sono agitado e padrões irregulares. A má qualidade do sono é um fator de risco bem estabelecido para hipertensão, doenças cardíacas e outras DCV.
  • Comorbidades Psiquiátricas: O TDAH frequentemente coexiste com outras condições, como depressão, transtornos de ansiedade e transtornos por uso de substâncias. Essas condições, por si só, também são fatores de risco significativos para o desenvolvimento de DCV, criando um efeito cumulativo de risco.

A compreensão deste “primeiro impacto” é crucial, pois estabelece que a gestão da saúde cardiovascular é uma necessidade para qualquer pessoa com TDAH, independentemente de ela tomar ou não medicação. O ponto de partida já é uma linha de base de risco mais elevada.

O “Segundo Impacto” – O Papel dos Medicamentos Estimulantes

Os medicamentos estimulantes, como o metilfenidato e os sais de anfetamina, são a primeira linha de tratamento para o TDAH devido à sua alta eficácia. Eles atuam principalmente aumentando os níveis de neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina no cérebro, o que melhora a atenção, o controle de impulsos e a função executiva. No entanto, esses mesmos neurotransmissores também atuam no sistema cardiovascular periférico, podendo levar a aumentos na frequência cardíaca e na pressão arterial. É este efeito fisiológico que constitui o “segundo impacto”.

A pesquisa sobre este tema evoluiu, e é importante analisar as evidências em diferentes escalas de tempo:

  • A Boa Notícia de Curto Prazo: Uma abrangente meta-análise de 2022, conduzida por Zhang e colaboradores, que compilou dados de 19 estudos envolvendo quase 4 milhões de participantes, não encontrou uma associação estatisticamente significativa entre o uso de medicamentos para TDAH e o risco de DCV em crianças, adolescentes ou adultos. O acompanhamento mediano nesses estudos foi de 1,5 anos. Este achado é extremamente tranquilizador, pois indica que o risco de um evento cardiovascular agudo e grave (como um infarto ou um AVC) ao iniciar o tratamento é muito baixo.
  • A Necessidade de Vigilância a Longo Prazo: Um estudo de coorte diferente, também liderado por Zhang e publicado em 2023, acompanhou pacientes por um período muito mais longo, de até 14 anos. Esta pesquisa encontrou uma associação entre o uso cumulativo de longo prazo de medicamentos para TDAH e um risco aumentado de desenvolver hipertensão e doença arterial. O estudo quantificou esse risco, mostrando que para cada ano de uso do medicamento, o risco de DCV aumentava em 4%, com o aumento sendo mais acentuado nos primeiros 3 anos de tratamento.

A aparente discrepância entre esses dois estudos de alta qualidade não é uma contradição, mas sim um reflexo da natureza do risco que cada um foi projetado para medir. A meta-análise de 2022 era ideal para detectar eventos agudos e raros, que felizmente não foram encontrados. O estudo de coorte de 2023, por sua vez, foi projetado para detectar o desenvolvimento lento e insidioso de condições crônicas, como a hipertensão, que se manifestam ao longo de muitos anos. Juntas, essas duas peças de evidência formam a base para uma prática clínica segura: os médicos podem iniciar o tratamento com confiança, mas devem implementar um plano de monitoramento cardiovascular diligente para o longo prazo.

Essa perspectiva nos leva a um entendimento mais sofisticado. O risco cardiovascular no TDAH não é uma questão de “tratar ou não tratar”, mas sim de “como gerenciar um risco que existe de qualquer maneira”. O TDAH não tratado apresenta um perfil de risco comportamental, difuso e difícil de controlar. O TDAH tratado, por outro lado, substitui esse risco por um perfil de risco fisiológico, que é mensurável (através da pressão arterial), clinicamente compreendido e, o mais importante, manejável. A escolha clínica não é evitar o risco, mas sim escolher qual risco é mais passível de ser gerenciado e mitigado através de uma medicina proativa e preventiva.

Parte 2: A Revolução Silenciosa no Controle da Pressão Arterial

Enquanto a conscientização sobre o TDAH em adultos crescia, uma revolução silenciosa estava ocorrendo no campo da cardiologia, transformando fundamentalmente a maneira como os médicos entendem e tratam a hipertensão arterial. Essa mudança de paradigma, impulsionada por evidências científicas robustas, torna o monitoramento da pressão arterial em pacientes com TDAH mais crítico do que nunca.

O Estudo SPRINT – Um divisor de águas na Cardiologia

Por décadas, as metas para o tratamento da pressão arterial (PA) foram relativamente conservadoras, geralmente visando valores abaixo de 140/90 mmHg. O Systolic Blood Pressure Intervention Trial (SPRINT), um estudo de grande porte publicado em 2015, foi projetado para desafiar essa norma. Ele testou se uma meta mais agressiva para a pressão arterial sistólica (o “número de cima”), de menos de 120 mmHg, seria mais benéfica do que a meta padrão de menos de 140 mmHg.

O estudo incluiu mais de 9.300 participantes com alto risco cardiovascular, mas que não tinham diabetes. Os resultados foram tão impactantes que o estudo foi interrompido precocemente. O grupo que recebeu tratamento intensivo (meta < 120 mmHg) apresentou:

  • Uma redução de 25% no desfecho primário combinado, que incluía infarto do miocárdio, AVC, insuficiência cardíaca ou morte por causas cardiovasculares.

 

  • Uma redução de 27% na mortalidade por todas as causas, um benefício de sobrevivência notável.

Claro, um tratamento mais agressivo veio com um custo. O grupo de tratamento intensivo teve taxas mais altas de certos eventos adversos, como hipotensão (pressão baixa), síncope (desmaio) e lesão renal aguda. No entanto, para essa população de alto risco, os comitês de especialistas concluíram que a profunda redução em eventos cardiovasculares fatais e não fatais superava em muito, esses riscos, que eram em grande parte gerenciáveis.

Um detalhe técnico do SPRINT é crucial para a prática clínica. As medições da PA no estudo eram frequentemente realizadas com um aparelho automatizado, após o paciente descansar sozinho em uma sala silenciosa. Este método tende a produzir leituras de 5 a 10 mmHg mais baixas do que as medições típicas em um consultório movimentado. Isso significa que a meta do SPRINT de < 120 mmHg pode ser funcionalmente equivalente a uma meta de aproximadamente 130 mmHg na prática clínica de rotina, um ponto vital para evitar o tratamento excessivo.

O Que as Novas Diretrizes Significam para Você

Os resultados do SPRINT catalisaram uma mudança global nas diretrizes de hipertensão.

  • Diretriz Americana (ACC/AHA 2017): Fortemente influenciada pelo SPRINT, esta diretriz redefiniu a própria hipertensão. Ela introduziu novas categorias e reduziu o limiar para o diagnóstico de hipertensão para 130/80 mmHg. A meta de tratamento para a maioria dos adultos com hipertensão confirmada tornou-se, de forma uniforme, uma PA abaixo de 130/80 mmHg.
  • Diretriz Europeia (ESC/ESH 2018): Publicada um ano depois, adotou uma abordagem um pouco mais conservadora, mas ainda assim alinhada com a tendência de metas mais baixas e uma forte ênfase na estratificação de risco individual.
  • Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial (2020): Alinhadas com as tendências internacionais, as diretrizes brasileiras também enfatizam a importância da estratificação do risco cardiovascular global para definir as metas terapêuticas. A decisão de quando e como tratar não se baseia apenas nos números da PA, mas no risco do paciente de ter um evento cardiovascular nos próximos 10 anos.

Essa mudança para metas de PA mais rigorosas tem uma implicação direta e profunda para o manejo do TDAH. Os pequenos aumentos na pressão arterial, que às vezes são observados com o uso de medicamentos estimulantes e que poderiam ter sido considerados clinicamente insignificantes sob as diretrizes antigas, agora podem ser suficientes para levar um paciente a cruzar um novo limiar diagnóstico ou terapêutico. Por exemplo, um paciente com uma PA de 128/78 mmHg, que sob as diretrizes antigas estaria “normal”, sob as novas diretrizes já tem “PA elevada”. Um pequeno aumento de 5 mmHg na pressão sistólica induzido pela medicação o levaria para 133/78 mmHg, classificando-o como portador de “Hipertensão Estágio 1”. Se esse paciente tiver um risco cardiovascular elevado, essa mudança de categoria pode desencadear a recomendação para iniciar um tratamento anti-hipertensivo.

Isso eleva a importância do monitoramento de “rotina” da pressão arterial para uma necessidade clínica “crítica” no cuidado de pacientes com TDAH. Não se trata mais de detectar grandes mudanças, mas sim de identificar pequenas alterações que, no novo cenário da cardiologia, adquiriram um significado clínico muito maior.

Tabela 1: Entendendo as Novas Categorias de Pressão Arterial. Adaptado das diretrizes da ACC/AHA de 2017, que servem como referência global.

 

Categoria Pressão Arterial Sistólica (PAS) Pressão Arterial Diastólica (PAD) Recomendação
Normal Menor que 120 mmHg e Menor que 80 mmHg Mantenha um estilo de vida saudável e realize medições periódicas.
Elevada 120 – 129 mmHg e Menor que 80 mmHg Recomenda-se otimizar as mudanças no estilo de vida (dieta, exercício, controle de peso) e reavaliar em 3 a 6 meses.
Hipertensão Estágio 1 130 – 139 mmHg ou 80 – 89 mmHg Mudanças no estilo de vida são essenciais. A medicação é recomendada se o paciente já teve um evento cardiovascular (infarto, AVC) ou se seu risco de ter um evento em 10 anos é maior que 10\%.
Hipertensão Estágio 2 Maior que140 mmHg ou Maior que 90 mmHg Mudanças no estilo de vida e medicação anti-hipertensiva (frequentemente com dois medicamentos) são recomendadas para todos os pacientes nesta categoria.
         

Parte 3: A Balança da Vida: Ponderando Riscos e Benefícios do Tratamento do TDAH

O cerne da ansiedade de muitos pacientes e familiares reside em uma pergunta aparentemente simples: como equilibrar o risco cardiovascular potencial do tratamento medicamentoso com os riscos bem documentados do TDAH não tratado? Felizmente, a ciência recente nos oferece uma resposta clara, embora surpreendente, que nos permite abordar este dilema com uma nova perspectiva, focada na preservação da vida e no bem-estar global.

O Paradoxo da Mortalidade – Como a Medicação Pode Salvar Vidas

Um estudo fundamental publicado em 2024 por Li e colaboradores na prestigiosa revista JAMA mudou a forma como entendemos os resultados do tratamento do TDAH. Utilizando dados de registros nacionais da Suécia, os pesquisadores acompanharam quase 150.000 pessoas com TDAH para investigar o impacto do início da medicação no risco de mortalidade.

O resultado principal foi notável: a iniciação da medicação para TDAH foi associada a uma redução de 21% na mortalidade por todas as causas em um período de dois anos (razão de risco de 0.79). A descoberta mais crucial, no entanto, veio da análise das causas de morte. A redução observada foi quase inteiramente impulsionada por uma diminuição significativa (25%) na mortalidade por “causas não naturais”. Estas incluem as consequências mais trágicas e preveníveis associadas ao TDAH não tratado: acidentes (de trânsito, domésticos), suicídio e envenenamentos acidentais, incluindo overdoses de substâncias. Em contraste, não houve uma diferença estatisticamente significativa na mortalidade por “causas naturais” (ou seja, doenças físicas como câncer ou doenças cardíacas) entre o grupo que iniciou a medicação e o que não iniciou.

A implicação desta descoberta é profunda. O tratamento medicamentoso do TDAH, ao atuar nos sintomas centrais de impulsividade, desatenção e tomada de risco, funciona como uma poderosa intervenção protetora. Ele protege os indivíduos contra os desfechos mais letais e imediatos associados ao transtorno. Isso redefine o tratamento do TDAH: não se trata apenas de melhorar o desempenho acadêmico ou profissional, mas de uma intervenção de saúde pública que, em sua essência, salva vidas. Para uma família preocupada com os “riscos cardíacos” a longo prazo, esta é a contrapartida mais poderosa: o risco de não tratar pode ser muito maior e, crucialmente, muito mais iminente.

Colocando o Risco Cardiovascular em Perspectiva

Agora podemos montar o quebra-cabeça completo e colocar o risco cardiovascular em seu devido contexto.

Sabemos que:

  1. O TDAH em si aumenta o risco de DCV (o “Primeiro Impacto”).
  2. O tratamento medicamentoso de longo prazo pode adicionar um risco de hipertensão (o “Segundo Impacto”).
  3. No entanto, este mesmo tratamento reduz drasticamente o risco de morte prematura.

A conclusão clínica lógica que emerge desta síntese é clara: o benefício do tratamento em reduzir o risco de mortalidade imediato e significativo supera em muito o risco potencial, gerenciável e de longo prazo de DCV. Podemos usar a analogia do cinto de segurança. Embora seja teoricamente possível que, em um cenário extremamente raro, um cinto de segurança possa prender alguém em um carro em chamas, seu benefício em prevenir a morte e ferimentos graves em acidentes comuns é tão esmagador que a decisão de usá-lo é óbvia e inquestionável. Da mesma forma, o tratamento do TDAH é a estratégia de segurança primária. A gestão do risco cardiovascular não é uma razão para evitar o tratamento, mas sim uma tarefa a ser realizada em paralelo com ele.

Esta perspectiva nos leva a uma reinterpretação final e poderosa. A discussão sobre os riscos cardiovasculares do tratamento do TDAH é, paradoxalmente, um sinal de sucesso. A razão pela qual nos preocupamos com os efeitos de longo prazo (10-15 anos) da medicação é porque o tratamento eficaz permite que os pacientes vivam esses 10-15 anos, navegando com segurança pela juventude e início da vida adulta, um período de alto risco para mortes por causas não naturais. O tratamento “entrega” o paciente à meia-idade, onde as preocupações cardiovasculares se tornam, naturalmente, mais relevantes, como o são para toda a população. Portanto, a necessidade de monitorar a pressão arterial em um paciente de 45 anos com TDAH em tratamento de longa data não é um sinal de falha ou perigo do tratamento, mas um testemunho de seu sucesso em mantê-lo vivo e saudável o suficiente para que as preocupações de saúde da meia-idade se tornem a prioridade.

Parte 4 –  Conclusão – Rumo a uma Gestão Integrada da Saúde para uma Vida Plena

Ao longo deste guia, navegamos pela complexa, mas compreensível, relação entre o TDAH e a saúde cardiovascular. É hora de reunir os pontos-chave em uma mensagem final de clareza, confiança e empoderamento.

Primeiro, o TDAH é, em si, um fator de risco cardiovascular. Esta constatação fundamental desloca o foco: cuidar do coração não é uma consequência do tratamento, mas uma prioridade inerente à condição. A gestão da saúde cardiovascular deve começar no momento do diagnóstico do TDAH, independentemente da estratégia terapêutica adotada.

Segundo, a ciência da cardiologia evoluiu. As metas para a pressão arterial estão mais rigorosas hoje porque a evidência, liderada por estudos como o SPRINT, demonstrou inequivocamente que um controle mais intensivo salva vidas. Esta nova realidade exige uma vigilância maior, tornando o monitoramento cuidadoso da pressão arterial uma pedra angular do tratamento seguro do TDAH.

Terceiro, e talvez o ponto mais crucial, o tratamento farmacológico do TDAH é uma intervenção que salva vidas. Ao mitigar a impulsividade e os comportamentos de risco, a medicação reduz drasticamente a mortalidade por causas trágicas e preveníveis, como acidentes e suicídio. O risco potencial e de longo prazo de hipertensão, embora real e necessitando de manejo, deve ser ponderado contra o benefício imediato e profundo de preservação da vida.

Finalmente, o manejo dos riscos cardiovasculares do tratamento é totalmente viável e eficaz. Através de uma avaliação basal cuidadosa, monitoramento regular e uma parceria forte e comunicativa com a equipe médica, é possível desfrutar dos benefícios transformadores do tratamento do TDAH enquanto se protege ativamente a saúde do coração.

 

A gestão da saúde no TDAH é uma maratona, não uma corrida de curta distância. Cuidar da mente e do coração não são objetivos conflitantes; são facetas de um mesmo objetivo maior: uma vida plena e saudável. Encorajamos cada leitor a usar este guia não como um conjunto de regras rígidas, mas como um ponto de partida para uma conversa aberta, informada e contínua com seus psiquiatras e clínicos. Com o conhecimento e as ferramentas certas, é perfeitamente possível gerenciar o TDAH de forma eficaz e, ao mesmo tempo, cultivar uma saúde cardiovascular robusta, garantindo um futuro de bem-estar e realizações.

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