Qual a relação entre o TDAH e a Motivação?

Se você tem TDAH, ou convive de perto com alguém que tem, certamente em suas pesquisas, você já ouviu falar muito sobre a motivação – ou a falta dela – nas pessoas com TDAH.

As pessoas em geral ouvem falar em motivação, e de uma maneira ou de outra, todas têm uma compreensão do que ela seja – ou ao menos do que ela significa em termos de comportamento humano e postura diante da vida.

Na verdade, se você quer entender melhor e ajudar a si mesmo, ou alguém com TDAH, é preciso compreender melhor o que é de fato e como funciona a motivação.

Primeiro vamos falar sobre o que e como a falta da motivação afeta as pessoas com TDAH. Em seguida, vamos explicar porque as pessoas com TDAH não conseguem se automotivar, nem se manter motivado por muito tempo.

Para começar, a motivação não é simplesmente um comportamento que a gente adquire, aprende e pronto. É claro que uma criança que nasce e cresce em um ambiente cujas pessoas a sua volta são automotivadas e motivadoras, tenderá a repetir este comportamento, esta postura diante da vida, porém, não necessariamente, pois a motivação também depende de fatoras orgânicos, biológicos.

Com certeza, para a maioria das pessoas com TDAH, conviver com pessoas motivadas e motivadoras, apesar de ser bom e ajudar, não será o suficiente para que ela própria desenvolva alguma capacidade de se automotivar.

Este assunto é tão sério e nevrálgico, que o Dr. Russell Barkley, um dos maiores especialistas em TDAH do mundo, prefere dizer que o TDAH é um transtorno de motivação e não de atenção.

Mas, por que a motivação é tão importante? Quão danosa pode ser na vida de uma pessoa, a falta, deficiência, incapacidade ou inabilidade para se automotivar?

A falta de motivação gera prejuízos em efeito cascata.

A falta de motivação prejudica diretamente duas funções cognitivas essenciais ao desempenho global de qualquer ser humano: atenção e memória.

Para fazer qualquer coisa na vida, precisamos de memória. A importância da memória é tanta, que pode se afirmar, que sem a memória não existira civilização, não existiriam as nossas culturas e sociedades.

Para que a memória exista e funcione, ela precisa da atenção e da motivação.

A atenção, por sua vez, é intrinsecamente dependente da motivação.

Memória

A neurociência nos ensina, que para que possamos fixar uma informação e resgatá-la posteriormente, ou seja, memorizar, lembrar e relembrar, os mecanismos cerebrais necessitam de 5 componentes:

  • Nível de consciência: estar desperto, não muito cansado, bem nutrido e calmo.
  • Atenção global e capacidade de manter a atenção concentrada no conteúdo a ser fixado.
  • Sensopercepção preservada.
  • Interesse e substância emocional relacionados ao conteúdo a ser fixado, assim como do empenho do indivíduo em aprender (vontade e afetividade).
  • Conhecimento anterior: elementos já conhecidos ajudam a adquirir elementos novos.

Além disso, para armazenar (manter) uma nova informação, é necessário a repetição, o treino. Bem, não é preciso enfatizar que é bastante difícil ficar treinando, repetindo coisas que não nos interessam.

Para tanto, as pessoas em geral dispõem da automotivação, ou seja, a maioria das pessoas é capaz de sustentar o treino – o fazer diário – de atividades desinteressantes, por longos períodos, motivadas por algo que ainda vai acontecer, a recompensa futura. Mas isso não ocorre com quem tem TDAH.

Da mesma forma, para resgatar uma memória, ou seja, para lembrar-se de algo, também é importante a motivação, pois, sabe-se que o cérebro trabalha por associação. Por exemplo:

Uma pessoa sabe que deve passar no mercado na volta do trabalho, mas ela detesta ir ao mercado; quando ela passar em frente a um mercado, ela vai lembrar da tarefa que deve fazer – ir ao mercado – mesmo detestando tal tarefa. Ela se lembrou por associação, apenas por ver o mercado, pois apesar de detestar ir ao mercado, outras coisas sustentam a motivação – ou o motivo – para que ela vá ao mercado. A pessoa pensa: “se eu não for ao mercado hoje, não vou ter o que comer amanhã” – e isto é motivação suficiente para ela executar a tarefa. Uma pessoa com TDAH, vai esquecer que deveria ir ao mercado, porque ‘ir ao mercado’ não a motiva; E mesmo quando ela ver o mercado, não vai se lembrar, porque ‘mercado’ não a motiva, portanto, é mais improvável que ela faça a associação. A pessoa com TDAH só vai se lembrar que deveria ter ido ao mercado, no dia seguinte, quando abrir a geladeira e ver que não tem nada para comer, pois a fome que ela está sentindo naquele momento, é uma motivação e tanto.

Este exemplo ilustra o que tanto falamos sobre recompensa imediata e recompensa futura. As pessoas em geral são capazes de fazer algo detestável agora, ou ficar fazendo algo desinteressante por longos períodos, motivadas apenas com a promessa de uma recompensa futura, mesmo que a longuíssimo prazo.

Assim, por exemplo, pessoas com TDAH tem muito mais dificuldade de manter seus empregos. As pessoas são capazes de se manter por anos em um trabalho do qual não gostam, motivadas unicamente pelo salário no final do mês. Ou seja, a pessoa suporta o dia-a-dia em nome de uma recompensa mensal. Uma pessoa com TDAH, vai faltar mais do que as outras, vai render menos do que as outras, porque suportar o dia-a-dia esperando por uma recompensa no fim do mês, não a motiva. Basta que em um desses dias de trabalho ela seja pressionada um pouco mais, ou que a atividade esteja mais chata do que o usual, para que ela simplesmente vire as costas e vá embora. Sobre o salário no fim do mês do qual ela precisa, depois ela pensa. Se o problema não for urgente e premente, não será suficiente para motiva-la e por consequência, não será suficiente para mantê-la na atividade.

Pelo exposto, pode-se concluir que a falta de motivação afeta diretamente:

  • A atenção
  • A memória
  • O Aprendizado
  • Persistência X Procrastinação

E acaba por afetar, em consequência:

O desempenho escolar –> se você não tem motivação, você não sustenta a atenção –> se você não sustenta a atenção você não memoriza, não aprende.

O desempenho no trabalho –> se você não tem motivação, você não se lembra –> se você não se lembra, você perde a hora, ou esquece de fazer uma tarefa solicitada.

As relações sociais –> se você não tem motivação, você se esquece dos compromissos sociais –> se você se esquece dos compromissos sociais, você frustra as pessoas.

As relações familiares –> se você não tem motivação, você procrastina seus afazeres em casa –> se você procrastina, você deixa a sua bagunça para outro arrumar ou deixa de fazer as compras no mercado, ou deixa de pagar a conta de luz em dia –> se você deixa sua bagunça para o outro arrumar, esquece de fazer as compras ou deixa de pagar a conta de luz, toda a família arcará com o prejuízo de suas ações (a luz cortada, não ter comida, ter que arrumar a sua bagunça) –> e tudo isso gera estresse e desgaste no ambiente doméstico.

As relações conjugais –> se você não tem motivação, você não vai se interessar pelas atividades do seu parceiro –> se você não se interessa e não partilha as atividades do seu parceiro, ele se magoa, se frustra e sente que está faltando companheirismo da sua parte. 

Mas, o que é de fato essa tal Motivação? De onde isso vem? Por que algumas pessoas têm mais outras menos? Por que as pessoas com TDAH não conseguem se automotivar e manter a motivação, como as outras?

Motivação vem do Latim movere – mover. Pode ser descrita como “o impulso interno que leva à ação”.

Existem inúmeras teorias psicológicas que explicam, ou tentam explicar o que é a motivação e como funciona.

Como o TDAH é uma questão médica, vamos aqui nos ater as explicações neurobiológicas.

Antes de prosseguir, gostaríamos de explicar que consideramos importante ao ‘leigo’ – o não médico – a leitura desta segunda parte, porque é fundamental entender que uma pessoa com TDAH age, ou deixa de agir de determinadas maneiras, porque ela de fato não consegue. Ela não tem a mesma capacidade que os outros para controlar, ou autorregular certos comportamentos: o funcionamento cerebral dela é limitado em alguns aspectos.

A região frontal direita, responsável pelo controle das funções executivas, é a região afetada, bem como verifica-se também déficits nos neurotransmissores: dopamina e noradrenalina.  

O sistema de funcionamento cerebral é interligado, através de, literalmente, milhões de conexões: os neurotransmissores.

É mais ou menos assim: Imagine que o cérebro é um computador; o lobo frontal é a placa de processamento do computador e a noradrenalina e dopamina, são os fiozinhos que ligam essa placa. No cérebro do TDAH, a placa de processamento e esses dois fiozinhos aparecem danificados, não tendo o mesmo desempenho dos outros cérebros.

O desvendamento do cérebro é a última fronteira da medicina, quer dizer, é uma ciência nova. Por esta razão, embora muito seja pesquisado, muito ainda há para se compreender sobre o seu complexo funcionamento.

Sendo assim, os cientistas sabem o que está afetado no cérebro do TDAH (o lobo frontal direito, e os neurotransmissores: noradrenalina e dopamina), mas ainda não se sabe com certeza porquê isso acontece, e também não se sabe com certeza se, são os fiozinhos que prejudicam o funcionamento da placa (se os neurotransmissores prejudicam o funcionamento do lobo frontal), ou se a placa é que está danificada, prejudicando a passagem de informação pelos fiozinhos (se o lobo frontal danificado é que afeta o desempenho dos neurotransmissores).

Existem também estudos sobre a variabilidade da frequência cardíaca, diminuição do aporte sanguíneo e consequente redução de glicose, anomalias nas redes estriatais no córtex pré-frontal, todos estes aspectos também observados nas pessoas com TDAH.

O importante é entender que, apesar de não haver uma resposta exata ainda, de como a doença se processa, não há dúvidas sobre quais são as áreas cerebrais afetadas e os consequentes efeitos destes danos na vida diária da pessoa com TDAH.

As características básicas do TDAH são definidas pelo déficit do comportamento inibitório e das funções executivas, como, comportamentos relacionados à falta de controle, déficit de motivação para realização de tarefas, falta de um comportamento controlado por regras, prejuízo do senso crítico antes da realização do seu comportamento, busca pela recompensa imediata, tomada de decisão, autorregulação, motivação, memória de trabalho, intencionalidade e planejamento.

Mas se o problema é neurobiológico, se existe um impedimento de ordem física na capacidade de se automotivar, por que as pessoas com TDAH ficam hipermotivadas quando estão fazendo coisas de que gostam muito?

Porque quando ela está fazendo algo de que gosta muito, ou algo perigoso, ela fica literalmente estimulada; as atividades estimulantes aumentam a produção de adrenalina, que tem efeito similar a noradrenalina e a dopamina, no caso, faltantes no TDAH.

Os games em geral, são muito estimulantes, são ‘brinquedos’ produzidos para excitar as pessoas, gerar adrenalina, por isso é comum a queixa de pais de crianças com TDAH, de que ‘não param para estudar, mas ficam horas no videogame’.

Bem, se você chegou até aqui, pode-se presumir que já compreendeu minimamente que o cérebro da pessoa com TDAH é incompetente para produzir a automotivação.

 Duas considerações são importantes:

  • É preciso entender o quão grave de fato é a limitação, que não se trata de ‘força de vontade’, preguiça, ou algo do gênero. A pessoa não é assim por que quer, e ela de fato, tem baixíssimo controle sobre isso.
  • Por outro lado, igual a todas as outras doenças e limitações que existem, não podemos nos curvar a isso, nem nos conformar. Temos que lutar, mas da maneira correta, usando as ferramentas existentes disponíveis. Não adianta simplesmente dizer: ‘já entendi que você não é assim porque quer, mas você não pode se acomodar’. Dizer coisas desse tipo, não ajuda e não resolve, só deixa a pessoa mais angustiada. A pessoa com TDAH não deve se resignar ao problema, mas ela precisa de ajuda, e ‘ajuda’ são as ferramentas efetivas, e não a simples críticas. 

Como podemos ajudar a compensar esse déficit motivacional?

  • Fracionar ou substituir recompensas de longo prazo por recompensas imediatas;
  • Produzir fatores de motivação externos – se a pessoa não consegue motivar-se sozinha, de dentro para fora, vamos encontrar formas de motivá-la de fora para dentro.
  • As medicações para TDAH são eficientes pois estimulam temporariamente, especificamente as áreas afetadas do cérebro, compensando o funcionamento.
  • A terapia cognitivo-comportamental tem produzido resultados positivos em pessoas com TDAH.
  • Mesmo com a medicação e com todas as técnicas e estratégias, provavelmente, a pessoa com TDAH sempre vai ter alguma dificuldade nestas questões. De vez em quando, ela vai precisar de ‘um tempo’, uma ‘folga’, afinal, coisas que são naturais para a maioria das pessoas, para ela, exigem esforço triplicado.
  • Não crie expectativas de que o desempenho vá se ‘igualar’ ao de quem não tem TDAH. Estimule, reconheça, parabenize e comemore a superação, o avanço, mostrando como ela melhorou em comparação a si mesma.

Por fim, é importante manter em mente:

A ideia fundamental, não é simplesmente tentar alterar o comportamento de uma pessoa para que ela se encaixe nas expectativas de alguém ou da sociedade.

A ideia é ajudar a pessoa a entender suas limitações, mostrar a ela as ferramentas, para que ela tenha opções, para que ela possa escolher o que ela quiser e achar que for melhor para ela.

Não fazer isso, seria condena-la a ficar presa a uma única opção: uma opção limitante onde processos químicos-cerebrais, sequer permitem a ela saber, se de fato age por vontade própria, ou se apenas não tem energia química suficiente para escolher e agir na direção de tal escolha.