TDAH e Mídias Sociais: muitos motivos para preocupação

*Paulo Mattos

 

Plataformas de mídias sociais são atualmente uma forma comum de compartilhamento de informações médicas. O TikTok, em particular, é o aplicativo mais baixado desde 2020, em particular entre adolescentes e adultos jovens; #adhd é nada menos que o sétimo hashtag de saúde mais procurado nesta plataforma.

Embora estes conteúdos possam combater estigma e aumentar a conscientização sobre problemas de saúde física e mental, existe a preocupação de que possam fornecer informações incorretas e, em particular, o que se convencionou chamar de “cibercondria”, a hipocondria de transtornos que os usuários passam a conhecer nas mídias sociais.

No caso específico do TDAH a situação é mais grave. Como não é um diagnóstico do tipo “tudo ou nada” (como hepatite, HIV, câncer, etc – ou seja, você tem ou não tem) mas sim algo que todos nós temos em algum grau (como no caso do diabetes, hipertensão arterial ou glaucoma, onde o diagnóstico só é dado quando se tem “demais”), qualquer pessoa que veja um vídeo sobre TDAH vai “se reconhecer” invariavelmente, em algum grau.

TDAH e diabetes são os extremos de coisas que todos têm.

Por que a preocupação?

Existe um enorme volume de informações nas mídias sociais que não são moderadas por profissionais de saúde, isto é, qualquer um, independentemente de seu nível de conhecimento técnico-científico, pode publicar algo sobre qualquer doença.

É o oposto do que se faz no meio científico.

Para publicar qualquer artigo, o manuscrito original é submetido a avaliações de revisores anônimos (não pagos), reconhecidamente especializados no assunto e que nunca trabalham ou trabalharam junto com os autores. E se houver qualquer possibilidade de conflito de interesses (principalmente os econômicos), o “sarrafo é muito mais em cima”.

No caso do Tik Tok e do Instagram, muitos canais têm o principal objetivo de monetização, ou seja, ganhar dinheiro. Para lembrar de um problema recente durante a trágica pandemia do COVID: 12 dos principais influenciadores antivacina dos Estados Unidos representavam uma “indústria” com receitas anuais de ao menos 36 milhões de dólares. Isso porque esses perfis impactam milhões de seguidores que clicam em links com anúncios, compram cursos com premissas duvidosas e alimentam um mercado que rende até 1,1 bilhão para as redes sociais que abrigam os conteúdos.

Um artigo publicado este ano no Jornal Canadense de Psiquiatria, uma revista científica especializada, avaliou os 100 vídeos mais populares do Tik Tok sobre TDAH. Os vídeos falavam sobre o diagnóstico, sobre a experiência pessoal de quem tinha TDAH ou foi diagnosticado e ainda sobre como lidar com o transtorno.

Os vídeos foram analisados e classificados em 3 grupos: (1) vídeos úteis (2) vídeos com experiência pessoais e (3) vídeos com conteúdo incorreto. Neste último caso, os vídeos continham informações que não tinham fundamentação científica ou então continham generalizações também sem fundamento (mesmo que fossem sobre experiências pessoais).

O resultado?

Dos 100 vídeos, 52% foram classificados como tendo conteúdo incorreto.

A grande maioria foi considerada como tendo uma linguagem clara e de fácil compreensão, mesmo quando não apresentam conteúdo correto.

Estes resultados são coerentes com outras análises publicadas em artigos científicos, sobre diversos outros problemas, simples e graves, desde acne até diabetes e litíase biliar (pedra na vesícula).

Como os algoritmos tendem a mostrar outros vídeos similares, ocorre um potencial de aumentar as informações incorretas. Além disso, o fenômeno da “romantização” do TDAH e a tendência de usar o diagnóstico “para justificar uma série de comportamentos” que na verdade têm outra origem contribuem para deixar os especialistas preocupados com a situação atual.

O filósofo Thomas Kuhn advertia: “A exposição a gansos e cisnes tem um papel essencial no aprendizado do reconhecimento de patos”. Desatenção, inquietude, procrastinação, deixar tudo para a última hora, dificuldade para se organizar, etc podem ser devidas a uma série de problemas e também podem ser observadas em indivíduos normais.

Nem tudo que parece com TDAH é TDAH.

Antes de se “autodiagnosticar” ou, pior ainda, entrar num “curso sobre TDAH”, que tal abordar este novíssimo problema com uma velhíssima recomendação?

Consulte um especialista!

 

 

*Paulo Mattos

  • Fundador da Associação Brasileira do Déficit de Atenção,  MD, PhD,  ex-professor e coordenador de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde recebeu o prêmio de Excelência em Educação Médica e foi professor homenageado várias vezes ao longo de sua carreira acadêmica.
  • Atualmente é professor do Programa de Doutorado do Instituto D’Or de Pesquisa e Educação (IDOR), onde também participa de diferentes áreas de pesquisa (TDAH, Envelhecimento e Demência, Neuropsicologia).
  • Participou de diversos comitês nacionais e internacionais e ministrou palestras em diversos congressos. Recebeu bolsas do NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental, EUA), da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O Dr. Paulo Mattos publicou mais de 150 artigos científicos e orientou mais de 40 alunos de mestrado e doutorado.