Contemplando minorias étnicas no TDAH

Paulo Mattos – Paulo Mattos MD,PhD,

Professor pesquisador da UFRJ, Instituto D`Or e Presidente do Conselho Cientifico da ABDA.

Na história da medicina, existem muitos episódios onde uma doença foi considerada como inexistente ou pouco prevalente em determinado grupo étnico, até que se provou o contrário. A Esclerose Múltipla, uma doença neurológica, já foi considerada como rara ou inexistente em indivíduos não-europeus. Desconsiderar ou minimizar determinado transtorno em qualquer grupo tem o potencial de comprometer diagnósticos e tratamentos adequados.

O sistema de diagnóstico da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-5, informa que o TDAH é menos prevalente em indivíduos negros, ao menos nos Estados Unidos.

O TDAH tem uma prevalência estimada de 5,6% em todo o mundo, mas há estudos mostrando taxas maiores, dependendo de como é coletada a informação: se com os pais, com os próprios jovens ou com os professores.

Os poucos estudos que incluíram grupos étnicos até recentemente sofreram críticas porque recrutaram indivíduos de locais desprivilegiados (portanto, as amostras não eram consideradas representativas) e utilizaram instrumentos de avaliação considerados inapropriados. Por conta da metodologia, estes estudos apresentaram resultados muito variáveis. Cabe ressaltar que indivíduos negros são minoria em muitos países europeus e nos EUA, estando sub-representados nos estudos epidemiológicos.

Vários fatores devem ser ponderados nos estudos investigando o diagnóstico de TDAH em indivíduos negros. Um número desproporcional de famílias encontra-se nos níveis socioeconômicos mais baixos, que se associam a racismo estrutural e sistêmico, o que por sua vez afeta significativamente o comportamento de jovens e adultos. Mais ainda, nas camadas socioeconômicas mais desfavorecidas, o acesso aos serviços de saúde é mais difícil e, assim, as taxas de diagnóstico mudam.

Um importante estudo recém-publicado, utilizando revisão e meta-análise (uma espécie de análise estatística sofisticada) de 21 estudos publicados entre 1979 e 2020, com mais de 150.000 participantes negros mostrou que os indivíduos negros, contrariamente ao que diz a DSM-5, apresentam maior risco– e não menor – para um diagnóstico de TDAH, ao menos nos EUA.

Os fatores de risco para TDAH parecem ser os mesmos em qualquer grupo étnico e a prevalência do transtorno vai depender do número acumulado de fatores. O que faz diferença nos resultados dos estudos epidemiológicos é o tipo de metodologia empregada e os vieses que advém disto.

O estudo também ressalta que aspectos relacionados à interseção entre raça, baixos níveis socioeconômicos, marginalização e discriminação podem exacerbar os sintomas do transtorno.

Prevalence and Risk Factors Associated With Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder Among US Black Individuals. A Systematic Review and Meta-analysis. Jude Mary Cénat; Camille Blais-Rochette; Catherine Morse et al. JAMA Psychiatry, 2020.