“As pessoas não estão amadurecendo mais. Não entendem que o sofrimento faz parte da vida, mas em vez de aprender a lidar com eles, simplesmente pedem um remedinho para o psiquiatra. Os pais não querem ter o trabalho de educar os filhos e os professores não encaram o desafio de conviver com crianças indisciplinadas, então encaminham os inconvenientes para a terapia”. Essa fala era bastante recorrente em 2001, quando cursei Psicologia da Educação.

Há 18 anos, havia essa crítica ao excesso de “psicologização do cotidiano”, por parte alguns autores e docentes que formavam os novos professores. Eu entendia a fala como um repúdio aos educadores que lançavam os problemas de aprendizagem no mesmo balaio dos distúrbios/transtornos mentais. Isso era encarado, não sem certa razão, como uma malandragem de professores com didática ruim e má vontade para lidar com as dificuldades de um e outro aluno, que não conseguiam aprender.

Na época da Licenciatura, podia-se optar por lecionar a turmas regulares ou a turmas especiais, sendo que esta última renderia uma remuneração bem maior ao professor, pois tratar-se-ia de um especialista. O professor especialista, a depender das deficiências dos alunos, tinha direito a montar turmas com dois alunos, ou até mesmo um único, em casos específicos. Por exemplo, havendo 2 alunos cegos, haveria uma turma só para eles. Nem sempre autistas estariam na mesma turma dos portadores de TDAH. Divisão bastante óbvia e correta, mas também custosa aos governos.

Até que então, algum “gênio” descobriu como economizar dinheiro e, com a ajuda de algum pensador cheio de boas intenções e aquele discurso contra a escola tradicional – “que só ensina conteúdos”, quando para o gênio o mais importante era a socialização dos alunos –  criou o atual conceito de inclusão. Um termo belíssimo e politicamente correto para tratar uma prática nada bela e nem um pouco correta.

E o que é essa prática? Consiste em colocar alunos com deficiências físicas e mentais distintas em turmas regulares. Assim, alunos com baixa visão, os surdos, os autistas, os TDAH, são jogados na mesma turma lotada. As aulas ficam por conta do professor que havia optado por turmas regulares, anos atrás. Ele não é especialista, portanto, não sabe nem como começar a incluir esses alunos.

Nem todas as escolas possuem rampas, livros em braile e intérpretes de Libras, de modo que alunos com deficiência física acabam sendo matriculados em escolas com um mínimo de preparo para atendê-los. Note-se que a maioria das escolas públicas foi construída no fim dos anos 60 e início dos 70. Há nelas infinitas escadarias. Algumas foram reformadas e receberam rampas, outras possuem até elevadores.

E é aí que entra a questão dos transtornos/distúrbios mentais. Uma vez que as condições físicas dos prédios não são uma barreira a esses alunos, eles estão por aí. A inclusão dessas crianças, na prática, é tolerá-las no mesmo espaço físico, sem oferecer-lhes um ensino adequado. Via de regra, os professores são acusados de ter preconceito com esses alunos e de não “aceitarem o desafio de educar o diferente”. Acusação injusta, pois os professores não recebem instruções e material para trabalhar com esses educandos. Não nos esqueçamos de que além do aluno especial, que sozinho já consumiria todo o tempo de um especialista, há no mínimo outras 30 crianças na mesma sala.

Fora a sensação de incompetência por não ter conseguido oferecer o melhor ensino para aquele aluno, ainda há dois elementos causadores de sofrimento nesse modelo de inclusão: a frustração e/ou baixa auto-estima do próprio aluno que invariavelmente se sentirá excluído da turma e, não raro, a tensão do professor que pode ser agredido a qualquer momento pelo aluno não-medicado.

Eu sei que há todo um discurso contra a medicalização dessas crianças, pois isso favoreceria a indústria farmacêutica. Mas deixo um caso que aconteceu comigo, e se repete com outros professores. Há 6 anos tive um aluno com laudo psiquiátrico. Não sei qual era o caso do menino, mas sei que ele se alfabetizou mais rápido que o restante da turma, tinha raciocínio lógico, mas era violento. E era enorme. Um dia neguei-lhe um pedido simples (ele queria escolher lugar na sala antes das meninas, que ele tinha o hábito de espancar) e não deixei que entrasse antes das colegas. Ele me deu um murro.

Precisei fingir que nada havia acontecido, pois, se demonstrasse dor, teria de levá-lo para a direção da Escola e chamar seus responsáveis. Evidentemente nada aconteceria, nenhum tipo de punição. Ao perceberem que era possível esmurrar a professora e sair impune, os demais alunos começariam a fazer o mesmo. A sensação de injustiça, a desesperança e o medo de entrar em sala e apanhar de novo se tornaram sintomas físicos. Dois meses depois fui diagnosticada com transtorno misto (depressão ansiosa). De lá para cá, consegui largar os remédios durante um ano, mas precisei voltar.

O aluno em questão agrediu fisicamente muitos colegas e todas as professoras que tiveram a infelicidade de lecionar para sua turma. Até que alguns pais de crianças agredidas exigiram providências de órgãos superiores. Não sei o que foi acordado, mas o jovem passou a ser medicado. Nunca mais agrediu ninguém e, recentemente, entrei em sua turma para substituir um professor e seu comportamento foi melhor até do que os demais.

O que é pavoroso nessas políticas sociais é que pensando no bem comum os gênios das boas intenções se esquecem de olhar para os indivíduos. Também se esquecem de ouvir quem vive a situação, no dia-a-dia. Passam por cima da ciência e não ouvem os profissionais da área, ignorando de propósito a realidade (incompatível com seus discursos).

Com o discurso de incluir e socializar alunos com deficiência mental e de impedir que a indústria farmacêutica tenha lucros, os gênios têm conseguido criar uma guerra entre estudantes, pais e professores e excluir os alunos que pretendiam incluir. E a indústria tem vendido muito antidepressivo e calmante para profissionais da educação.

Paula Rosiska

É professora das redes estadual e municipal na Cidade de São Paulo.
Membro do conselho consultivo da ABDA

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