V CONGRESSO INTERNACIONAL DA ABDA

 

Mais de mil e duzentas pessoas, entre profissionais de saúde e educação, familiares e portadores de TDAH lotaram V Congresso Internacional da ABDA, realizado nos dias 4 e 5 de agosto no Rio de Janeiro. O evento, que ocorreu em parceria ao IV Encuentro TDAH Latinoamericano, contou com a presença de palestrantes nacionais e internacionais que discutiram as pesquisas mais recentes sobre o diagnóstico e tratamento de TDAH em todo o mundo.

O Congresso foi aberto com a Conferência Magna ‘’TDAH: Uma doença inventada’’, proferida pelo psiquiatra, pesquisador da UFRJ e presidente do Conselho Científico da ABDA Professor Paulo Mattos, que respondeu com dados científicos às recorrentes críticas realizadas no Brasil, segundo as quais o TDAH seria uma doença inventada. “Esses críticos do TDAH não têm pesquisas nem trabalhos científicos publicados sobre seu ponto de vista”, respondeu Mattos. “Eles dizem que o diagnóstico rotula os portadores, mas a verdade é que a criança portadora do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade já é rotulada na escola, por meio de apelidos e estigmas que levam à exclusão.’’

Paulo Mattos também atribuiu as críticas quanto a existência  do TDAH a uma suposta ‘’ameaça’’ que as Neurociências estariam representando na atualidade e que seria uma oposição aos modelos das Ciências Sociais: “O fato, no entanto, é que tanto o determinismo biológico quanto a Engenharia Social são extremos que não devem pautar os profissionais de saúde. Em razão dessa discussão, só no Brasil se difundiu a ideia errônea de que psicólogo não está apto para tratar terapeuticamente os transtornos neurobiológicos, como por exemplo, o TDAH”, explica o psiquiatra.

Crianças com TDAH amadurecem mais lentamente

Em consoante com a aula inaugural ministrada por Paulo Mattos, o neuropsicólogo holandês, Joseph Sergeant, coordenador da Rede Européia de Pesquisa em TDAH, iniciou os trabalhos do segundo dia do Congresso explicando por que o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade não é uma fantasia psiquiátrica. “Muitos genes contribuem para o TDAH, não há um gene único’’ explica Sergeant. “No entanto, as neuroimagens mostram que as crianças com TDAH apresentam um menor número de conexões entre as diferentes partes do cérebro em comparação com as outras crianças. Isso resulta numa dificuldade em focar a atenção, e, consequentemente, na aquisição mais lenta do aprendizado.”

O defeito neurobiológico afeta principalmente a memória visual de trabalho, que é a capacidade de manipular informações na mente. Assim, os portadores de TDAH cometem mais erros nas tarefas que exigem mais processamento interno, como as operações matemáticas. Na medida em que as crianças com TDAH crescem elas se tornam mais semelhantes as não portadoras de TDAH, mas ainda assim aquelas que permanecem em tratamento  apresentam uma melhor remissão do TDAH.

Sergeant observou ainda que, como a maturação cerebral do portador de TDAH se dá mais lentamente, ele tende a adquirir habilidades sociais de interação inadequadas, função essa controlada predominantemente pela parte frontal do cérebro. Mais tarde, o portador precisará não só eliminar os comportamentos-problema, mas também adaptá-los e aprender novos comportamentos.

Psicoeducação é arma contra a irritabilidade

O TDAH é um dos transtornos psicológicos mais estudados, mas as emoções das crianças portadoras são pouco compreendidas, em particular a irritabilidade, uma vez que a maior parte dos estudos realizados até hoje focaram a hiperatividade e a desatenção. A conclusão é de Argyris Stringaris, conferencista principal do Congresso, pesquisador da Escola de Medicina do Instituto de Psiquiatria King´s College, de Londres.

De acordo com o pesquisador, de 3 a 5% da população em geral sofrem de irritabilidade em casa, na escola e na vida familiar. Entre os portadores de TDAH, o percentual é de 30% a 70%

Stringaris investigou a possibilidade da irritabilidade se dever a outra razão, como TOD, bipolaridade, depressão ou desregulação do humor: “O transtorno bipolar é bem mais raro entre crianças e adolescentes do que o TDAH e os recentes estudos comprovam que as crianças com TDAH são mais irritáveis e por conta disso apresentam alguns sintomas de desregulação do humor”, concluiu.

DSM-V permitirá diagnóstico de TDAH até 12 anos

A quinta edição do DSM (Manual de Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria), com lançamento para 2013, prevê a revisão da idade do início dos sintomas do TDAH, a extinção dos subtipos, a adaptação dos critérios de diagnóstico em adultos e a atualização da lista de comorbidades. As informações foram apresentadas em primeira mão pelo presidente eleito da Federação Mundial de TDAH, Luis Rohde, professor pesquisador da USP e da UFRGS. Professor Luis Rhode é membro da Comissão que trabalha o capítulo sobre TDAH do sistema classificatório dos transtornos mentais adotado pelos novos manuais do DSM-V e CID-11.

Diferenças socioculturais interferem em diagnóstico na América Latina

O presidente da Liga Latino Americana para Estudos do TDAH, Eduardo Barragan, destacou em sua palestra que as diferenças socioculturais e genéticas devem ser levadas em conta no diagnóstico do transtorno. “Como um problema biológico, o TDAH implica manifestações no mundo inteiro, mas elas são diferentes na América Latina em relação à Europa.

Com relação à América Latina o neurologista explica que o TDAH é subdiagnosticado, diferentemente dos outros países do hemisfério Norte, Ásia e Europa.

Barragan lembra ainda que os padrões de desenvolvimento estão mudando devido a questões sociais e culturais, entre outras. As crianças mexicanas, por exemplo, hoje em dia passam mais tempo em casa do que antigamente em razão da violência. O resultado é que elas se movimentam menos e usam mais o computador, o que vem tornando as gerações mais jovens mais sensíveis a ruídos. O pesquisador também identifica mudanças no cerebelo dessas crianças, o que vem causando impacto não só sobre os aspectos motores, mas também sobre os aspectos sensoriais e no planejamento do pensamento.  

Sala de aula adaptada aos portadores de TDAH também beneficia alunos sem o transtorno

O ambiente escolar é fundamental para o desenvolvimento da criança. O contexto escolar não produz os sintomas de TDAH, é certo, mas exacerba ou minimiza os efeitos desses sintomas, de modo de algumas técnicas usadas em sala de aula são muito úteis para minimizar o impacto do transtorno no processo de aprendizagem, segundo a psicóloga Doutora Ângela Alfano, da UFRJ.  

Pais devem gerenciar estudos dos filhos

O neuropsicólogo Neander Abreu, da UFBA, sugeriu que os pais de crianças portadoras de TDAH sejam gerenciadores dos estudos dos filhos ainda que a distância. “Os pais podem acompanhar a realização das tarefas também on line, lembrar algo ao filho pelo Messenger, etc”, orienta Abreu, “de modo que a criança perceba que tem, quando necessitar, auxílio e suporte externo para desenvolver suas tarefas e habilidades.”

Encerrando os debates sobre educação do primeiro dia do Congresso, o psicólogo Ronaldo Ferreira Ramos, diretor-executivo da ABDA, alertou que o portador de TDAH está mais associado à prática bullying em razão da sua impulsividade e da hiperatividade. A conclusão é de um estudo realizado em 2008 na Suécia. “Os portadores de TDAH são quatro vezes mais propensos a serem agredidos e o tipo desatento dez vezes maior a probabilidade de serem os alvos de bullying ”, afirmou  Ronaldo Ramos.

O que fazer com as famílias que resistem ao tratamento

O psiquiatra e vice-diretor executivo da ABDA Jorge Simeão alerta: quando as famílias procuram atendimento é porque todas as tentativas de automanejo falharam. A resistência ao tratamento do TDAH se deve, em grande medida, à dificuldade das famílias com um ou mais portadores de TDAH em formar laços fora do ambiente familiar. “Essa lealdade leva todos os membros da família a assumirem compromissos, e, em consequência, a sofrerem sentimentos de culpa e fracasso em razão dos problemas trazidos pelo transtorno”, explica Simeão.

A clareza dos limites no interior da família é fundamental para o seu bom desenvolvimento, caso contrário ela mergulha num estado de dependência, imaturidade e baixa auto-estima: “A maior parte das famílias não tem uma percepção adequada da extensão dos problemas vividos pelos portadores, daí tentarem resolver o problema sozinhas, como se fosse uma questão de honra.”

O psiquiatra aponta que é necessário identificar as tentativas dos membros da família de lidar com o TDAH, validando seus aspectos positivos e ressaltando os méritos de cada um. O melhor manejo do transtorno, no entanto, só é possível com a maior compreensão do problema e a busca de ajuda especializada. 

Fórum sobre TDAH, Legislação e Inclusão emociona platéia

A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) emocionou a plateia que lotou o auditório com seu depoimento durante o Fórum sobre TDAH, Legislação e Inclusão, realizado no dia 5 de agosto. Há 17 anos, Mara ficou tetraplégica em razão de um acidente de carro. Pouco depois, ela fundou uma organização para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Já eleita deputada federal, assumiu a relatoria do projeto de lei 07081/2010, que dispõe sobre o diagnóstico e o tratamento de TDAH e dislexia na educação básica.

“Vejo semelhanças entre o TDAH, dislexia e as deficiências”, contou Mara. “Acredito que o acolhimento das diferenças também beneficia os alunos normais. Os deficientes muitas vezes têm matrícula rejeitada de cara na escola, mas isso não acontece com os portadores de TDAH: eles são expulsos mais tarde!”

Primeira deputada tetraplégica do Brasil e talvez do mundo, Mara só pôde falar da tribuna do Congresso Nacional e não do chão depois da instalação de um elevador na plenária da Câmara dos Deputados. “Eu voto e registro presença por meio de um equipamento que capta os movimentos do meu rosto; eu não preciso tocá-lo. O meio tem que se adaptar às pessoas, e não as pessoas ao meio.”

Desembargador defende que casais adotantes façam curso sobre TDAH

Se o Legislativo se empenha em aprovar leis em prol dos portadores de TDAH e de outros transtornos, o Judiciário precisa fiscalizar seu cumprimento. “O Judiciário que cuida da inclusão leva à cidadania”, defende o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de S. Paulo.

Malheiros comentou ainda que pretende adotar em São Paulo uma medida já aplicada em Minas Gerais com relação à adoção: abordar o TDAH, a dislexia e outros transtornos em cursos para os casais adotantes. A medida visa a evitar que eles devolvam crianças ‘levadas’ por falta de conhecimento de que talvez elas tenham TDAH, por exemplo.

Não há tratamento para TDAH na rede pública, denuncia presidente da ABP

Ex- coordenador em Saúde Mental do Distrito Federal, o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antonio Geraldo Silva, criticou as políticas do Ministério da Saúde para o tratamento das doenças mentais. “A incidência das doenças mentais na população em geral é alta: o próprio Ministério da Saúde estima que 46 milhões de brasileiros precisem de algum tipo de atendimento em saúde mental. Apesar disso, o governo trabalha com ideologia e não com epidemiologia ao formular suas políticas públicas, tanto que o Brasil é um dos países do mundo que destina uma das menores parcelas do seu orçamento da saúde para o tratamento de doenças mentais: 2%, contra 11% do Canadá, segundo a OMS.”

No que se refere ao TDAH, Antonio Geraldo Silva denuncia a ausência de tratamento no SUS: “O que temos de tratamento para TDAH definido pelo Ministério da Saúde? Ir para CAPS? O que nós precisamos é de um sistema ambulatorial, com psicólogo e psiquiatra devidamente capacitados. Passar o dia todo no CAPS é caro, e além do mais só atende a uma parcela da população com psicose. E as pessoas com TDAH, depressão, ansiedade, transtornos alimentares? A sociedade civil é que correu atrás de tratamento através das ONGs, por exemplo.”

O deputado federal Dr. Aluizio (PV-RJ) acrescentou que as autoridades sanitárias precisam se conscientizar de que o TDAH é um problema de saúde pública, uma vez que o transtorno “é uma porta aberta para a dependência química e abuso de substâncias”. O parlamentar defende a adoção de políticas públicas para o diagnóstico e tratamento do transtorno  TDAH, a exemplo do que já ocorre com Aids, diabetes e tuberculose.

Por Isabel Baeta

Veja algumas fotos do Evento:

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Sheraton Rio Hotel & Resort – Local do Evento
 

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ABDA – V Congresso Internacional
 

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Plenária Gávea A e B
 

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Solenidade de Abertura – Iane Kestelman, Presidente da ABDA
 

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Conferência – Professor Argyris Stringaris,  – Escola de Medicina do King’s College – Londres, Inglaterra
 

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Conferência – Professor Argyris Stringaris – Escola de Medicina do King’s College – Londres, Inglaterra
 

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Professor Argyris Stringaris e Professor Paulo Mattos
 

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Conferência – Professor Paulo Mattos
 

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Platéia – Conferência do Professor Paulo Mattos
 

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Conferência – Professor Luis Rohde – Presidente da Federação Mundial de TDAH (World ADHD Federation)
 

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Conferência – Professor Luis Rohde – Presidente da Federação Mundial de TDAH (World ADHD Federation)
 

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Conferência – Professor Joseph Sergeant – Universidade de Amsterdam, Holanda
 

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Slide com o tema da Conferência do Professor Joseph Sergeant – Universidade de Amsterdam, Holanda
 

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Conferência – Eduardo Barragán, Presidente da Liga Latinoamericana del TDAH, México
 

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Eduardo Barragán – México
 

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Platéia
 

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Plenária – Professor Argyris Stringaris e Professor Joseph Sergeant
 

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Foyer – Stand da ABDA

 

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Visão panorâmica: Foyer do Sheraton Rio Hotel & Resort

 

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TDAH: Um compromisso de todos