(O presente texto é uma resposta ao texto “Why I Believe that Attention Deficit Disorder is a Myth (Porque eu Acredito que TDAH é um Mito), de Thomas Armstrong, que pode ser lido no link: http://www.thomasarmstrong.com/articles/add_myth.php)

– Prof. Dr. Luis Augusto Rohde, PhD

Professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal do Rio grande do Sul; Coordenador do Programa de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

– Prof. Paulo Mattos, PhD

Professor de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Coordenador do GEDA – Grupo de Estudos do Déficit de Atenção do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

Quando nossos filhos apresentam problemas importantes de saúde, temos que enfrentar uma longa estrada na busca da aceitação da condição e na escolha da melhor forma de ajudá-los.

Nesse caminho, não é incomum que nos deparemos com profissionais de todo o tipo que tirando proveito do sofrimento das famílias tentam oferecer caminhos supostamente menos dolorosos, porém ineficazes, ou alternativas milagrosas. Afinal, não é fácil reconhecer que as dificuldades ou os sintomas de nossos filhos sejam devido a algo que não conseguimos controlar totalmente. Normalmente, esses profissionais buscam ou a exploração financeira do sofrimento alheio ou uma notoriedade que de outra forma não foram capazes de alcançar. Em ambos os casos, quem paga o preço é o paciente e sua família.

O texto “Porque eu acredito que Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade é um mito?” poderia ter um outro título: “Porque desinformação, falta de raciocínio científico e ingenuidade constituem uma mistura perigosa?” .

Vamos examinar juntos alguns dos seus argumentos. O autor se diz muito preocupado com a literatura científica sobre o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). Não se compreende o porquê de sua preocupação. A literatura claramente indica que o TDAH é um dos transtornos mentais com maior evidência científica em toda a psiquiatria e até mesmo dentro de toda a medicina. Quem afirmou isto, publicamente, foi a Associação Médica Norte-Americana, em 1998. O autor fundamenta a sua preocupação em resultados de sua “pesquisa informal”. O que vem a ser pesquisa informal? Não temos a menor idéia. Para se fazer uma pesquisa científica é necessário um grande planejamento e geralmente uma equipe de profissionais pertencentes a um centro universitário. O Comitê de Ética do local deve receber o projeto de pesquisa e aprová-lo após minuciosa revisão. Um pesquisador é simplesmente proibido de fazer qualquer pesquisa com seres humanos por conta própria, sem autorização de um comitê de ética, em qualquer país decente do mundo. Após o final da pesquisa, o pesquisador tem a obrigação ética de publicar seus resultados, já que eles poderão trazer benefícios a pacientes no mundo todo. É inconcebível que alguém “descubra” algo importante acerca de uma doença e não revele aos demais. Como não estão publicados em revistas científicas quaisquer estudos do autor, só é possível concluir que: a) apesar dele ter obtido resultados muito importantes para o tratamento do TDAH, resolveu escondê-los da comunidade científica e da população em geral, por razões ignoradas ou b) simplesmente não existem nem pesquisas nem resultados.

A literatura científica sobre o TDAH conta com milhares (isto mesmo, milhares) de artigos em inúmeros países nos últimos anos. Este artigos foram escritos por vários pesquisadores diferentes e foram submetidos à rigorosa avaliação das revistas médicas antes de serem publicados. Em quê ela é preocupante quando comparada à “pesquisa informal” do autor? Não se sabe. Aqui temos um exemplo evidente de falta de crítica. Simplesmente não existe a situação de um pesquisador (aliás, não há referência sobre a instituição onde ele trabalha como tal) ter “descoberto” algo importante sem que a comunidade científica tenha prestado a menor atenção ao fato. Geralmente, “pesquisadores” que revelam ter conhecimentos importantes que ninguém mais têm são pessoas que nunca pertenceram à qualquer comunidade científica ou tiveram qualquer reconhecimento dentro dela. Todos os pesquisadores verdadeiros, incluindo aqueles inúmeros que são notoriamente rivais entre si, publicam seus resultados de pesquisa.

Ao longo do texto surgem “pérolas” da falta de informação e, pior ainda, de raciocínio científico. São mencionadas as diferenças de prevalência nos diversos países e o fato dos pais e professores não concordarem sobre a intensidade dos sintomas. Isto para o autor são indicadores da inexistência do transtorno. Pesquisas recentes usando métodos semelhantes de diagnóstico (entrevistas padronizadas) demonstram claramente que a freqüência/prevalência do transtorno é similar em diferentes culturas tais como América do Sul, Europa, Índia, e Estados Unidos. Em outras palavras, a prevalência diferente verificada no passado era devida aos diferentes métodos de diagnóstico utilizados, e não a reais diferenças nas taxas de prevalência (Rohde, 2002, publicado no Jornal da Academia Norte-Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência).

Se os pais e professores não concordam quanto à intensidade dos sintomas isso indica que o transtorno não existe, ou que eles estão vendo a criança em ambientes diferentes? Uma coisa é estar sentado a manhã inteira numa sala de aula, tendo que aprender coisas novas, muitas das vezes desinteressantes. Outra bem diferente é estar dentro de sua própria casa, com seus pais, seu quarto e seus brinquedos. Se também os pais trabalham, eles vêem os filhos ao final do dia, quando já estão cansados e não estão tão hiperativos. Ou então convivem com os filhos mais tempo apenas nos finais de semana, quando não existem atividades que exijam muita atenção e controle do comportamento. Não há qualquer problema na existência de algum grau de discordância entre questionários de pais e de professores, e é justamente por isso que nós fornecemos a eles questionários para responder: para avaliar o comportamento em situações distintas. Vamos tomar o exemplo da depressão na infância e adolescência (ou será que o autor também não acredita que crianças possam sofrer de depressão?). Um adolescente deprimido tem que estar deprimido todo o tempo, ou será que se ele sorrir ou tiver um pouco de prazer com os amigos, a depressão estará descartada?

Continuando: desde quando o diagnóstico de TDAH é feito através de teste neuropsicológico (Continuous Performance Test)? Há muito tempo o autor não deve ler um consenso (pronunciamento oficial de vários pesquisadores) ou posicionamento conjunto da literatura sobre o assunto? Tanto a Associação Médica Norte-Americana quanto a Academia Norte-Americana de Psiquiatria da Infância e Adolescência claramente posicionam-se que o diagnóstico é clínico e não baseado em testes neuropsicológicos. Os testes servem apenas para esclarecer alguns aspectos do desempenho do paciente. Bem, então ele menciona que não existe nenhum teste ou medida objetiva (como a medida da pressão arterial) ou ainda um exame de alguma substância no sangue. Isto deve invalidar o diagnóstico na sua opinião. Por esse raciocínio, depressão, autismo e até esquizofrenia não existem já que também o diagnóstico é clínico sem haver necessidade de qualquer dosagem no sangue ou outro método objetivo. Até a cefaléia (dor de cabeça) que você sente claramente não existe pois não há teste sanguíneo ou medida objetiva para avaliá-la, além da informação clínica fornecida por você mesmo ao médico.

Vamos deixar de lado o terreno da falta de raciocínio científico e de desinformação – embora outros exemplos pudessem ser analisados – e passemos para a área da ingenuidade. O autor se diz muito chateado com a questão na ênfase aos aspectos negativos encontrada na literatura científica. Porque “rotular” as nossas crianças? Acontece que são inúmeros os estudos que mostram claramente que crianças e adolescentes com sintomas importantes de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade têm muito mais problemas escolares (suspensões, expulsões, repetências), maiores taxas de uso abusivo de álcool e outras drogas ilícitas, menor grau de satisfação pessoal, e até maiores taxas de acidentes e procura de atendimento médico. Porque rotulá-los como tendo TDAH? Talvez, para que essas crianças possam ser adequadamente reconhecidas e tratadas. Ou o autor prefere que elas continuem sendo rotuladas nas escolas como burras, incompetentes, ou mal-criadas, como normalmente acontece quando não se conhece o TDAH?

É claro que a observação do autor de que desatenção e agitação podem ser a via final de vários problemas (e não apenas TDAH) é importante. Entretanto, isso em nada invalida o diagnóstico, apenas deveria alertar os pais a procurarem profissionais com adequada formação (sejam eles psicólogos, psiquiatras, pediatras, ou neurologistas) para a avaliação dos problemas comportamentais de seus filhos. Ele diz que vê muitas crianças com o diagnóstico de TDAH que são músicos, atletas, líderes e pessoas criativas. Nós também. O que uma coisa tem a ver com a outra? Somente quem não conhece nada sobre TDAH pode achar que pessoas talentosas e criativas não podem ter TDAH.

Para finalizar, o autor sugere que usemos como modelos pessoas excepcionais, tais como Einstein . Deve ser no mínimo brincadeira. Infelizmente, só nasce um Einstein por século e gostaríamos muito que nossas crianças tivessem as mesmas qualidades intelectuais que ele. Porém, concordamos numa coisa: se seu filho for realmente um Einstein, esqueça o assunto TDAH.

 

ABDA® Todos os direitos reservados. Copyright 2013.