Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Altas Habilidades 

Dra Fabrícia Signorelli

Crianças, adolescentes e adultos com altas habilidades/superdotação (AH/SD) são reconhecidos por seu desempenho superior ao de seus pares. Embora a superdotação seja frequentemente associada ao desempenho escolar, existem indivíduos superdotados em diversas áreas, tanto acadêmicas quanto não acadêmicas. A alta capacidade cognitiva ou o QI continuam a desempenhar um papel importante na maioria dos modelos de superdotação. No entanto, concepções contemporâneas expandem essa definição, considerando não apenas um QI elevado, mas também outras teorias da inteligência e habilidades específicas em diferentes domínios.1

De acordo com a literatura científica, existem aspectos que são comuns em pessoas com AH/SD, embora não existam características totalmente únicas em crianças, adolescentes e adultos com QI elevado, existe algumas características que são observadas com frequência nesse grupo de pessoas. Muitas dessas características podem criar dificuldades sociais e emocionais para esses indivíduos, que podem recorrer a avaliação de profissional de saúde mental.2

Algumas características que podem estar presentes em pessoas com AH/SD são:2

Superexcitabilidade: definida como uma reação mais intensa a estímulos externos ou internos. Existem cinco tipos de superexcitabilidade: psicomotora, sensorial. intelectual, imaginativa e emocional

Perfeccionismo: geralmente envolve expectativas e críticas irreais que leva a evitar a realização de tarefas onde a perfeição pode não ser possível

Insucesso: pode ser causado por uma série de fatores incluindo: má colocação, falta de desafios e pressão social

Desenvolvimento assíncrono: pode ser definido como o desenvolvimento em áreas cognitivas mais avançadas do que o desenvolvimento físico, social e emocional.

Muitos profissionais desconhecem as características que podem fazer com que comportamentos típicos de AH/SD sejam confundidos com um ou mais transtornos. Isso resulta em uma tendência a diagnosticar essas particularidades como sintomas de uma condição clínica.3

Indivíduos com AH/SD podem apresentar características típicas do TDAH, como: altos níveis de atividade, baixo controle de impulsos, frustração, tédio, baixa capacidade de atenção, a superexcitabilidade psicomotora da AH/SD pode ser confundida com a hiperatividade do TDAH e superexcitabilidade imaginativa pode ser interpretada como desatenção. Em pessoas com AH/SD esses comportamentos divergem daqueles observados em pessoas com TDAH apenas, uma vez que não são generalizados, mas dependentes do contexto.4

Embora pareça haver uma semelhança no comportamento de crianças e adolescentes superdotados e crianças e adolescentes com TDAH em sala de aula, a observação do comportamento mostra que, a desatenção em alunos superdotados é específica da situação, enquanto há dificuldades contínuas com a atenção em alunos com TDAH. Com relação a hiperatividade, a alta atividade em pessoas superdotadas é geralmente focada e orientada para objetivos, enquanto a hiperatividade em crianças com TDAH é frequentemente aleatória e não orientada para objetivos.5

É possível que algumas pessoas com AH/SD recebam um diagnóstico equivocado de TDAH, quando, na verdade, os comportamentos apresentados são resultado da superdotação. Nessas situações, em vez de receberem o suporte educacional adequado, podem até ser submetidas a uma terapia medicamentosa desnecessária.5

Outro aspecto de extrema importância é que indivíduos superdotados podem apresentar transtornos neuropsiquiátricos associados, sendo, nesse caso, denominados de dupla excepcionalidade. A relação entre superdotação intelectual e psicopatologias pode impactar negativamente o desempenho desses indivíduos.6

Estima-se que cerca de 10% das pessoas com TDAH sejam superdotadas.7,8

A avaliação de pessoas com AH/SD e TDAH é particularmente complexa, pois alguns sintomas de TDAH são semelhantes as características comportamentais da superdotação. A atenção dos superdotados não é focada no conteúdo que não os interessa; frequentemente, quando algo é chato e insuficientemente estimulante, eles podem “vagar” com seus pensamentos. Pessoas superdotadas também têm dificuldade em ficar sentadas, esperar na fila e geralmente têm mais energia, assim como crianças com TDAH, e a chance de diagnóstico incorreto é alta.5

Em alunos superdotados com TDAH, os sintomas do transtorno podem ser mascarados pela superdotação. O alto QI e o bom desempenho escolar oferecem estratégias para lidar com as dificuldades causadas pelo TDAH. Da mesma forma, os talentos e as altas habilidades podem não se manifestar devido aos prejuízos funcionais decorrentes do transtorno. Assim, a superdotação e o TDAH podem ocultar um ao outro, dificultando a identificação e o diagnóstico adequado.4,9

Vários estudos indicam que alunos superdotados com TDAH têm maior probabilidade de reprovação escolar ou de obter notas mais baixas em comparação com crianças superdotadas sem o transtorno, lembrando que o insucesso escolar também pode ocorrer em alunos com AH/SD, como mencionado. Além disso, esses alunos enfrentam diversas dificuldades emocionais, incluindo transtornos de humor, ansiedade, alterações comportamentais, dificuldades de relacionamento com colegas, estresse familiar e baixa autoestima. Em avaliações de felicidade e satisfação, costumam apresentar pontuações inferiores às de crianças superdotadas sem TDAH.10,11,12

A Canadian ADHD Practice Guidelines, uma importante diretriz para o diagnóstico e tratamento do TDAH, destaca que há sintomas sobrepostos entre indivíduos com AH/SD e aqueles com TDAH, o que pode tornar o diagnóstico diferencial desafiador. Crianças superdotadas são frequentemente encaminhadas para avaliação médica ou psicológica devido a comportamentos comumente associados ao TDAH, como inquietação, desatenção, impulsividade, alto nível de atividade e devaneios. Uma criança com AH/SD pode ser diagnosticada erroneamente com TDAH quando, na verdade, seus comportamentos são uma resposta a um currículo inadequado.13

Para concluir um diagnóstico diferencial, é necessário fazer perguntas específicas que esclareçam o que é compartilhado entre as condições e o que é exclusivo do TDAH ou da superdotação, além de verificar se a criança apresenta dupla excepcionalidade. Os profissionais devem conduzir um histórico médico, educacional e de desenvolvimento completo, além de realizar uma avaliação clínica e psicológica abrangente para analisar o comportamento do indivíduo em diferentes contextos e situações. Sempre que possível, a avaliação e a identificação devem ser conduzidas por especialistas que possuam conhecimento tanto em TDAH quanto em superdotação, sendo ideal que tenham experiência com indivíduos com dupla excepcionalidade.13

Referências:

  1. Worrell, F. C., Subotnik, R. F., Olszewski-Kubilius, P., & Dixson, D. D. (2019). Gifted Students. Annual Review of Psychology, 70, 551-576.
  2. Bishop, J. C., & Rinn, A. N. (High Ability Studies.2020. 31(2), 213–243.
  3. Beljan, P., et al. Gifted and Talented International. 21(2), 83–86.
  4. Tasca I, Guidi M, Turriziani P, Mento G, Tarantino V. Child Psychiatry Hum Dev. 2022 Jun;55(3):768-789.
  5. Cvitković, D., & Stošić, J. (2022). Gifted students with disabilities. Croatian Journal of Education, 24(3), 949-986.
  6. Minahim D, Rohde LA. Attention deficit hyperactivity disorder and intellectual giftedness: a study of symptom frequency and minor physical anomalies. Braz J Psychiatry. 2015 Oct-Dec;37(4):289-95
  7. Antshel, K., Biederman, J., Doyle, A., Faraone, S., Fried, R., Nave, A., & Stallone, K. (2007). Is attention deficit hyperactivity disorder a valid diagnosis in the presence of high IQ? Results from the MGH longitudinal family studies of ADHD. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 48, 687-694.
  8. Chae, P. K., Ji-Hye, K., & Kyung-Sun, N. (2003). Diagnosis of ADHD among gifted children in relation to KEDI-WISC and T.O.V.A. performance. Gifted Child Quarterly, 47, 192-202.
  9. Ruban, L. M., & Reis, S. M. (2005a). Identification and assessment of students with learning disabilities. Theory into Practice, 44, 115–124.
  10. Antshel, K., Biederman, J., Doyle, A., Faraone, S., Fried, R., Nave, A., & Stallone, K. (2007). Is attention deficit hyperactivity disorder a valid diagnosis in the presence of high IQ? Results from the MGH longitudinal family studies of ADHD. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 48, 687-694.
  11. Zentall, S. S., Moon, S. M., Hall, A. M., & Grskovic, J. A. (2001). Learning and motivational characteristics of boys with AD/HD and/or giftedness. Exceptional Children, 67, 499-519.
  12. Foley-Nicpon, M., Rickels, H., Assouline, S. G., & Richards, A. (2012). Self-esteem and self-concept examination among gifted students with ADHD. Journal for the Education of the Gifted, 35(3), 220-240.
  13. Canadian ADHD Resource Alliance (CADDRA). Canadian ADHD Practice Guideli Edition 4.1. Toronto, ON: CADDRA, 2020