Muita gente ainda tem resistência contra o uso de medicamentos no tratamento do TDAH. Mas os médicos afirmam que os remédios disponíveis atualmente no mercado são seguros e eficientes

Por Rafael Alves Pereira* – rafa_alves@hotmail.com

Várias campanhas para divulgar informações sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) tem sido realizadas, grandes laboratórios vêm lançando novos medicamentos para o tratamento da doença, médicos e profissionais de saúde estão empenhados em fazer com que cada vez mais pessoas que sofram do transtorno sejam diagnosticadas. Ainda assim, a desinformação e o preconceito em relação a doença são grandes. Um dos pontos mais polêmicos e que sempre gera dúvidas, tanto para os pacientes quanto para cônjuges, parentes e demais pessoas que precisam conviver com eles, é o uso de medicamentos.

O uso de remédios para tratar doenças e transtornos psiquiátricos de maneira geral sempre foi motivo de receio, e não poderia ser diferente em relação ao TDAH. Muitas pessoas ficam em dúvida sobre a eficácia dos medicamentos, os efeitos colaterais e os riscos que o uso contínuo poderia acarretar. O psiquiatra Luís Augusto Rohde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, destaca que há alguns mitos bastante comuns envolvendo o tratamento farmacológico do TDAH mas que, no entanto, existem diversos estudos realizados em importantes centros mundiais que atestam não só a eficácia, como também a segurança das principais drogas utilizadas atualmente.

Um grande estudo realizado em centros universitários nos Estados Unidos e no Canadá (denominado MTA – Multimodal Treatment Assessment) chegou a resultados que mostram as vantagens alcançadas pela correta utilização dos remédios existentes. No total, estiveram envolvidos na empreitada cinco centros de estudo norte-americanos e um canadense, que analisaram nada menos que 579 crianças que sofriam de TDAH. O objetivo era verificar até que ponto a prescrição de medicamentos é eficiente e comparar os resultados com psicoterapia.

Para a pesquisa, os pacientes foram separados em quatro grupos. O primeiro foi tratado apenas com medicamentos. As crianças e adolescentes recebiam os remédios e durante primeiras semanas passavam por consultas semanais de acompanhamento. Posteriormente essas consultas eram mensais. Nenhum tipo de psicoterapia foi utilizada. Já com o segundo grupo, o tratamento foi justamente baseado em psicoterapia cognitiva-comportamental, que consistia em acompanhar de maneira intensiva os pacientes com técnicas específicas. Foi dada atenção especial à orientação dos pais – um ponto fundamental para auxiliar o tratamento de crianças que sofrem de TDAH – e a intervenções escolares, com orientação e esclarecimento também para os professores. Neste caso, não foi utilizado qualquer tipo de remédio.

O terceiro grupo contou com o que os médicos e pesquisadores chamaram de tratamento combinado. As crianças passavam pela mesma terapia comportamental-cognitiva que foi prescrita para o grupo dois e também receberam medicamentos. Essas duas partes do tratamento foram realizadas de maneira coordenada e acompanhada minuciosamente pelos médicos por meio de avaliações periódicas.

Finalmente, ao último grupo foi destinado um tratamento que recebeu o nome de “tratamento comunitário”. As crianças eram encaminhas a centros de pediatria tradicionais (comuns, não especializados) e os médicos que as tratavam recebiam a orientação de adotar o tratamento que normalmente empregariam se recebessem nos consultório uma crianças com os sintomas do TDAH. Os pacientes deste grupo receberam basicamente tratamento medicamentoso, administrado pelo pediatra ou pelo médico da família, e não pôr psiquiatras especializados no tratamento do transtorno.

Resultados comprovam o dia-a-dia dos consultórios

Os resultados comprovaram o que os psiquiatras e especialistas no assunto já haviam comprovado no dia-a-dia dos consultórios: os grupos que apresentaram maior grau de melhora e um controle maior dos sintomas foram aqueles que receberam medicamentos (1 e 3). Segundo os médicos, no entanto, a constatação mais importante foi outra. Na comparação entre o grupo 1 (que recebeu apenas terapia medicamentosa) e o grupo 2 (que recebeu somente terapia comportamental), os resultados apresentados pelas crianças tratadas apenas com medicamentos foram bastante superiores aos daqueles que tiveram o acompanhamento comportamental.

– Esse estudo mostra que o uso de medicação é importante no tratamento do transtorno do déficit de atenção. O grupo medicamentoso e o grupo combinado apresentaram resultados superiores ao grupo psicoterapia isolada, o que prova que o uso de drogas é importante e eficiente”, conclui Luís Rohde.

Dos quatro grupos analisados pela pesquisa, o que apresentou resultados mais discretos foi aquele em que as crianças receberam o chamada “tratamento comunitário”, sem a orientação de médicos especializados no tratamento do TDAH.

– Não basta só usar a medicação. E preciso que seja usada por profissionais que
conheçam e saibam tratar o transtorno. Foi provado por este estudo que os profissionais que não eram especializados no transtorno e ofereciam um tratamento considerado não ideal e não obtinham bons resultados no tratamento – analisa o psiquiatra gaúcho, completando que, mesmo a medicação correta, se usada sem o conhecimento aprofundado, traz resultados significativamente piores.

Quem convive com portadores de TDAH já descobriu há tempo, na prática, os dados constatados na pesquisa. A maioria das famílias passa bastante tempo peregrinando por diversos consultórios médicos, de diversas especialidades, até encontrar um psiquiatra especializado no tratamento do transtorno. E mesmo os mais céticos acabam cedendo e concordando que as melhoras trazidas pelos medicamentos em associação terapias adequadamente indicadas apresentam resultados mais que satisfatórios.

Férias frustradas

-Quando eu conheci o meu marido ele já fazia tratamento contra o TDAH. Já estávamos no terceiro mês de namoro e eu comecei a questioná-lo porque ele tomava remédios três vezes ao dia. Foi quando ele me explicou que tinha TDAH e me falou o que é o transtorno – conta a jornalista paulista Maria Fernanda Palhares, que mesmo depois de ouvir toda a explicação sobre a doença continuou com dúvidas em relação à necessidade do uso contínuo dos remédios. A sua resistência à terapia medicamentosa, no entanto, durou somente mais algumas semanas.

– Num final de semana prolongado, nós resolvemos viajar para a praia e saímos na quinta-feira à noite . No meio do caminho o Marcos lembrou que tinha esquecido de trazer os remédios e quis voltar para buscar. Eu insisti que não tinha necessidade e que ele deveria aproveitar a oportunidade para tentar passar uns dias sem usar o remédio. Depois de eu insistir bastante, infelizmente ele me atendeu – relembra Fernanda.

-Na primeira noite não houve qualquer problema. Ele estava mais agitado que o normal mas nada que chamasse a atenção. Mas o dia seguinte foi muito estressante: ele ficou muito agitado, não parava quieto, não me ouvia quando eu falava com ele. Tentamos ir à praia. Ele sentava na cadeira para ler o jornal e levantava dois minutos depois e ia para a água. Depois voltava dizendo que queria dar uma volta. Voltava e sentava e tentava ler o jornal de novo, mas dois minutos depois pegava o telefone celular e disparava a ligar para os amigos. Até na hora de almoçar ele reclamou da fila de espera no restaurante, que não demorou nem cinco minutos – conta a jornalista, lembrando que não acreditou quando o marido lhe disse que a mudança de comportamento era provavelmente por causa da falta dos medicamentos.

– Eu tentei explicar para ela que esse era o meu comportamento normal antes de iniciar o tratamento, mas ela não acreditou. O resultado final é que tivemos que encurtar a viagem e voltar no segundo dia. Não ia dar para aproveitar muita coisa – lembra Marcos, que descobriu já adulto que era portador de TDAH.

Não tratar o transtorno pode trazer para o portador problemas como baixo aproveitamento escolar e acadêmico, repetência e maior risco de sofrer acidentes. Quando são analisadas as evidências cientificas, percebe-se que o tratamento está relacionado a melhoria significativa no comportamento e que os medicamentos disponíveis apresentam uma baixa incidência de efeitos colaterais.

Laboratórios investem

Segundo Luiz Rohde, já foram realizados mais de 150 estudos internacionais com medicamentos que atualmente são usados para tratar o TDAH. O resultado encontrado, em quase todos, é de que os medicamentos são eficientes e, sempre que são bem administrados, proporcionam uma sensível melhora aos pacientes.

O TDAH ainda é subdiagnosticado e estima-se que existam milhares de pessoas que são obrigadas a conviver com sintomas bastante desagradáveis (esquecimentos, desatenção, dificuldade de concentração, baixo aproveitamento acadêmico e profissional etc.) sem saber que se trata de um transtorno psiquiátrico para o qual já existem tratamentos com um alto grau de sucesso. De olho neste mercado, muitos laboratórios farmacêuticos têm se preocupado em lançar novas drogas. Ao contrário de serem vistas como uma vantagem, as crescentes pesquisas em busca de novos medicamentos acabam suscitando outro questionamento naqueles que são mais resistentes ao uso de medicamentos: se os medicamentos usados são assim tão eficazes, porque então os laboratórios se esmeram para produzir e desenvolver novas drogas?

Tratamento mais fácil

A resposta é fácil, e está menos relacionada à eficácia e à segurança das substâncias atualmente utilizadas do que com comodidade do paciente. Explica-se: o tratamento precisa ser contínuo e durar todo um dia. A substância precisa estar ativa para que a pessoa possa suprir os déficits característicos do TDAH. A droga mais usada atualmente é o metilfenidado (nome comercial Ritalina), que possuiu um período de ação bastante reduzido. Isso obriga os pacientes a tomar o medicamento de duas a três vezes ao dia. Por um motivo mais que óbvio, isso criava um problema em relação à adesão ao tratamento: dizer para uma pessoas que sofre de déficit de atenção – e logo tem problemas de memória- que ele precisa tomar um medicamento até três vezes ao dia, parece um contra-senso.

A idéia das novas drogas é reduzir o numero de doses ao longo do dia e permitir um tratamento mais confortável, que possa ser seguido mais facilmente. Recentemente foi apresentado no Brasil um novo medicamento (de nome Concerta), que também tem o metilfenidato como princípio ativo e permite a administração de uma única dose ao longo do dia, com ação prolongada por 12 horas. O medicamento deve ser colocado em breve no mercado, segundo o laboratório Janssen-Cilag. A própria Ritalina, já existe também em comprimidos de liberação prolongada no exterior, denominada Ritalina LA do laboratório Novartis (deve ser lançada no Brasil em 2004). Outra nova medicação que tem efeito durante a maior parte do dia, mas que não tem como princípio ativo o metilfenidato é a Atomoxetina (nome comercial Strattera, do laboratório Lilly, que também deve ser lançada no Brasil em 2004).

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– Quando o médico opta por prescrever para uma criança duas doses diárias, uma pela manhã e outra ao meio dia, é comum que a escola reporte ao médico uma melhora significativa no rendimento e no comportamento. Mas os pais dizem que, em casa, o filho continua com os mesmos problemas. Isso acontece por que muitos pais apenas vêem os filhos à noite, após as 18, quando o efeito do medicamento já está bastante reduzido – explica Luiz Rohde, acrescentando que as novas drogas podem ser bastante úteis sobretudo para o tratamento de crianças.

 * Rafael Alves Pereira é jornalista formado pela PUC-Rio. Ele escreve para a ABDA reportagens quinzenais, que trazem depoimentos de médicos e pacientes e têm o objetivo de oferecer mais informações sobre o TDAH para quem convive com o problema e para o público em geral. São abordados assuntos como o cotidiano do portador de TDAH, avanços médicos na área e o tratamento dos pacientes.

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