Dando sequência a uma série de artigos escritos pelos nossos parceiros no exterior, nos sentimos honrados de publicar o artigo do Dr Javier Quintero ( Espanha) e sua equipe.

Manejando da melhor maneira possível o TDAH

(Doing it the better you can in ADHD)

 

Javier Quintero, MD, PhD.

Diretor de PsiKids.
Jefe de Servicio de Psiquiatría. Hospital Universitario Infanta Leonor. Universidad Complutense. Madrid. España.

Aline de Miranda. MD. 

Reseach Fellow. Hospital Universitario Infanta Leonor. Madrid. España.

 

Conceitos chave em TDAH

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade é considerado uma condição do neurodesenvolvimento cuja etiologia é fundamentalmente genética, afetando o desenvolvimento e o funcionamento de diferentes áreas cerebrais, de maneira mais relevante as regiões pré-frontais (1), ainda que contando com um papel importante do meio ou do entorno, já que este vai ser determinante na expressão dos sintomas, sobretudo em sua evolução a longo prazo.

Caracteriza-se pela tríade de sintomas:

  • Dificuldades atencionais
  • Hiperatividade
  • Impulsividade

Esses três sintomas acontecem em uma dimensão exagerada para a idade e para o nível de desenvolvimento do indivíduo que cumpre critérios de disfuncionalidade, ou seja, é necessário que interfira e traga prejuízos no funcionamento normal da vida cotidiana, e que isso se faça presente em pelo menos 2 ambientes diferentes.

Quando pensamos em crianças, isso se expressa de forma mais evidente no ambiente escolar, familiar e social, além do desenvolvimento pessoal. Este último contexto, nem sempre é adequadamente levado em conta durante a avaliação do paciente, embora seja muito importante, uma vez que o TDAH frequentemente afeta a percepção que a pessoa tem de si mesma e, consequentemente a autoestima, fator de extrema relevância durante a infância e crucial na adolescência.

Estima-se que o TDAH possa afetar cerca de 7% das crianças em idade escolar, números que tem se mostrado estáveis inclusive quando aplicados critérios diagnósticos mais exigentes.  Alguns estudos tem estimado que até 10% das crianças podem ser afetadas (2).

Para compreender melhor os diferentes valores de prevalência obtidos em diferentes estudos, devemos considerar:

  • Os critérios diagnósticos empregados, ou seja, DSM e CID, e suas diferentes edições.
  •  As fontes de informação e os diferentes métodos de obtenção (entrevistas estruturadas, informações provenientes dos pais, pacientes ou professores, questionários autoaplicados ou aplicados pelo clínico).
  • E de maneira muito relevante, ir além da simples presença dos sintomas, buscando o real impacto dos sintomas no dia a dia do indivíduo.

O TDAH é um transtorno que afeta o paciente ao longo de toda sua vida. Tem início na infância, mas a sintomatologia clínica pode ser verificada durante a adolescência e, inclusive, na idade adulta.

Segundo diversos estudos, cerca de 75% das crianças com TDAH serão adolescentes com TDAH e, destes adolescentes, cerca de 50% serão adultos que seguem apresentando sintomas de TDAH. Neste sentido, é importante a compreensão do conceito chave de que o TDAH é um transtorno que persiste ao longo da vida dos pacientes (2) e que, portanto, como em qualquer outra condição crônica em medicina, é importante tanto seu diagnóstico precoce (buscando uma prevenção secundária), como uma intervenção adequada (para conseguir uma prevenção terciária).

No caso da pessoa com TDAH que não recebeu qualquer tratamento, considera-se que apenas cerca de 10 – 20% contemplam o que se chama de remissão funcional, ou seja, ausência de manifestações do transtorno com repercussão na vida do indivíduo; para o restante, a evolução será heterogênea, desde adultos funcionais com presença de alguns sintomas que interferem de maneira mínima, até quadros mais complexos com outros transtornos comórbidos associados, como condutas relacionadas ao uso de substâncias e transtornos de personalidade (3).

É importante salientar a ideia de que é um transtorno que comumente cursa com outros transtornos, comorbidades que se associam a presença do TDAH, tais como: transtornos de conduta, ansiedade, transtornos de aprendizagem, abuso e dependência de substâncias, entre outros (4), o que nos leva ao seguinte conceito chave: devemos entender o TDAH como um fator de risco evolutivo, e onde a adolescência adquire um peso importante.

Momentos chave no TDAH

 Quando o paciente com TDAH cresce e chega a adolescência, este transtorno do neurodesenvolvimento adquire um grau de importância maior, o que aumenta o risco de comorbidades e problemas adicionais (5).

Neste ponto, devemos falar sobre o que conhecemos como o cérebro emocional. Conforme descrito pela biologia, iremos usar diferentes regiões do cérebro, e dependendo de seu estado de maturação e dos recursos que tenhamos disponíveis, o resultado será a aquisição de um tipo ou outro de protagonismo.

Podemos dizer que os adolescentes em geral, e com TDAH, em particular, terão a parte emocional de seu cérebro mais madura do que a região pré-frontal; região esta que lhes permitiria modular melhor as emoções e regular seus comportamentos.

Tal explicação nos ajuda a entender porque na adolescência podem ocorrer mudanças bruscas de humor e de conduta, assim como a exposição a riscos de forma menos reflexiva. Nos adolescentes com TDAH, a região pré-frontal, encarregada de planejar as ações e antecipar as consequências, não está suficientemente desenvolvida, deixando o controle do comportamento a cargo da parte mais emocional, instintiva, e portanto mais impulsiva, do cérebro (6).

Também são importantes os trabalhos de Sarah Blakemore (7), que comparou as diferenças entre crianças, adolescentes e adultos quanto a tomada de decisões. Nos ajudou, por exemplo, a explicar a dificuldade que os primeiros tem para se colocar no lugar do outro ao tomar decisões.

Em seus estudos, observou como ao longo da infância e adolescência somos mais capazes de aceitar as normas e pôr em prática um algoritmo de tomada de decisões, ainda que assumir a perspectiva ou o ponto de vista do outro, vá se  convertendo em uma tarefa mais complicada, lenta e complexa, o que poderia ser outra chave para entendermos a forma de processar dos adolescentes com TDAH: é mais emocional e impulsiva, e demonstra mais dificuldade para assumir a perspectiva do outro do que para seguir uma norma interiorizada.

A respeito do nosso funcionamento cerebral, outro grande conceito que temos aprendido nos últimos anos é o papel modulador do meio, não somente modulando condutas, mas também a configuração cerebral. Sabemos que a adolescência é um período de máxima adaptabilidade do cérebro, o que significa, por exemplo, uma grande oportunidade para o aprendizado e para a definição de várias habilidades.

A tendência dos adolescentes de ter um baixo controle dos impulsos, aliado a uma baixa consciência de si mesmos, faz com que se sintam atraídos por novidades de forma constante (1). Esse cenário pode ser interpretado de duas maneiras; uma positiva, canalizando essa energia e potencial para os interesses do adolescente com TDAH, onde será capaz de atingir objetivos surpreendentes, e outra negativa, que o conduzirá a um lugar mais desfavorável e de condutas de risco, multiplicando as chances de fracasso escolar, de consumo de drogas, entre outros problemas, com consequentes implicações em sua qualidade de vida (8).

Mas, certamente, canalizar e reconduzir esses impulsos pode não ser uma tarefa tão fácil, e é precisamente essa potencialidade, a melhor oportunidade para conseguir uma transformação profunda. Por isso é tão importante cuidar de forma especial do cérebro durante a adolescência, tanto por seu enorme potencial, como pelo impacto que podem ter situações de baixa estimulação ou estimulação negativa durante esse período.

Risco especial observamos com o início do consumo de drogas, com destaque para álcool e cannabis.

O consumo de cannabis altera o funcionamento cerebral, mas também impacta sua estrutura. A forma habitual de consumo de cannabis é inalada (fumada). Sua absorção ao inalar é rápida e passa a corrente sanguínea de maneira quase imediata. Uma vez dentro do corpo, são produzidos diferentes metabólitos, entre eles o tetrahidrocanabinol (THC), e o canabidiol (CBD). Sua afinidade por moléculas de gordura é muito alta, o que vai configurar algumas de suas características – vale lembrar que o tecido cerebral é formado principalmente por lipídeos.

Uma vez que os canabinoides entram no organismo, vão se ligar a uma série de receptores específicos, chamados receptores canabinoides – Tipo 1 (CB1) e tipo 2 (CB2). Os receptores CB1 estão localizados principalmente no sistema nervoso central, especialmente em regiões como hipocampo, gânglios da base e tronco encefálico e são os principais responsáveis pelos efeitos cognitivos. Os canabinoides vão estimular a liberação de dopamina em áreas mesolímbicas e o THC estimula a liberação de opioides endógenos, por isso seus efeitos inicialmente gratificantes, sua ação como droga e, portanto, seu potencial aditivo.

Além dos efeitos conhecidos, sabemos que o consumo nessa fase da vida afeta de maneira clara as regiões pré-frontais. Estudos realizados no National Institute on Alcohol Abuse And Alcoholism, apontam que pessoas que consomem cannabis tem um metabolismo mais baixo em regiões frontais, o que explicaria seus efeitos cognitivos, e no córtex cingulado anterior, o que se correlacionaria com reações de embotamento afetivo. São relevantes as evidências de alterações nas redes neuronais relacionadas ao consumo (9). O impacto do cannabis sobre o cérebro está centrado na redução da funcionalidade do córtex pré-frontal e dorsolateral e com os processos implicados na atenção (que já se encontram afetados em adolescentes com TDAH).

Medidas chave no TDAH

 Atualmente existe um consenso estabelecido pelos principais manuais de prática clínica acerca da abordagem multimodal como o padrão ouro de tratamento para o TDAH, que tem como base o estudo MTA – estudo do tratamento multimodal de crianças com TDAH (10), com as seguintes orientações: tratamento farmacológico combinado à outras medidas, definidas em função das necessidades particulares de cada caso.

O estudo MTA foi iniciado pelo National Institute of Mental Health (NIMH) em 1997 com o objetivo de avaliar as principais opções de tratamento disponíveis para o TDAH. Inicialmente tratou-se de um estudo longitudinal multicêntrico de 14 meses de seguimento, em que participaram um total de 579 crianças (amostra final), todos com diagnóstico de TDAH, entre 7 a 10 anos de idade (média de idade 8,5 anos).

É interessante destacar que, essa população foi acompanhada durante muitos anos, com alguns ajustes na metodologia, sendo que a última publicação sobre o estudo se concentrou em 16 anos de acompanhamento, o que forneceu muitas informações adicionais. Muitas delas, reforçaram ideias já conhecidas, mas uma lição parece ter sido especialmente importante: realizar com eficiência o tratamento, a princípio, não é suficiente. O tratamento deve ser individualizado e avançar conforme as necessidades do paciente.

Um tratamento correto deve seguir se ajustando às dificuldades, riscos e oportunidades de cada paciente ao longo de sua vida. As características clínicas de uma criança de 7 anos são distintas de um adolescente de 17 anos, assim como um adulto de 27 anos.

Ao planejar o tratamento, devemos pensar no controle dos sintomas, porém não exclusivamente neles. Mais importante do que a intensidade dos sintomas, é a sua repercussão na vida funcional de quem tem TDAH. Isso significa dizer que o funcionamento escolar, social, familiar e, sobretudo, pessoal, deve estar bem estruturado, não apenas em termos de melhora, mas realmente de forma bastante positiva.

São lições aprendidas com o estudo das necessidades inadequadamente cobertas dos pacientes com TDAH (11), que nos devem motivar a buscar a cura de nossos pacientes, o que anteriormente definimos como remissão funcional. Uma especial menção deve ser feita ao relevante papel das famílias na evolução (prognóstico) do TDAH, de maneira que a psicoeducação deve ser incluída como parte dos planos de tratamento integrado (12).

As novas tecnologias também estão oferecendo oportunidades muito interessantes de intervenção. Tecnologias de estimulação cognitiva estão demonstrando não somente a melhora das funções cognitivas, mas também a melhora dos padrões de organização cerebral dos pacientes com TDAH (13), significando uma oportunidade de melhoria nos planos de intervenção.

Além disso, sabemos que o “fazer bem feito” é também muito eficaz em termos de impacto econômico. O tratamento adequado dos pacientes reduz gastos indiretos ligados ao transtorno e suas consequências a médio e longo prazo (14). O que poderia parecer um gasto financeiro agora, pode vir a ser, na realidade, um grande fator de economia para o futuro. Ainda que este não seja o objetivo mais importante, convém, também, tê-lo em mente.

Em resumo (15), o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento muito prevalente, que acompanha o indivíduo durante toda sua vida e que confere um fator de risco evolutivo, tornando nebuloso o prognóstico a médio prazo. Manejar bem o TDAH, significa tratar o indivíduo como um todo, não somente o transtorno, mas tendo sempre em mente a importância de planejar o tratamento, utilizando todos os recursos efetivos disponíveis e adaptando-o ao momento evolutivo de cada paciente, suas necessidades e preferências.

E como última reflexão: o maior risco no TDAH é não fazer nada.

 

links recomendados.

Escuela de Padres by PsiKids.  http://psikids.es/escuela-de-padres/

Sincrolab. estimulação cognitiva  https://www.sincrolab.es/

Unmeet need on ADHD. https://www.youtube.com/watch?v=0wV2ah2ecwI

Bibliografia:

1.-Quintero J, Navas M, Fernández A, Ortiz T.Advances in attention deficit hyperactivity disorder.What does neuroimaging provide us with? Actas Esp Psiquiatr. 2009 Nov-Dec;37(6):352-8.

2.-Quintero J, Loro M, Jiménez B, García Campos N.[Evolutionary issues in attention deficit hyperactivity disorder (ADHD); from risk factors to comorbidity and social and academic impact]. Vertex. 2011 Mar-Apr;22(96):101-8.

3.- Quintero J, Martin M, Alcindor P, Perez-Templado J.[Prevention in attention deficit hyperactivity disorder]. Rev Neurol. 2016;62 Suppl 1:S93-7.

4.- Setyawan J, Fridman M, Grebla R, Harpin V, Korst LM, Quintero J. Variation in Presentation, Diagnosis, and Management of Children and Adolescents With ADHD Across European Countries. J Atten Disord. 2018 Aug;22(10):911-923. doi: 10.1177/1087054715597410..

  1. Wilens TE, Isenberg BM, Kaminski TA, Lyons RM, Quintero J.Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder and Transitional Aged Youth. Curr Psychiatry Rep. 2018 Sep 17;20(11):100. doi: 10.1007/s11920-018-0968-x.

6.- Quintero J. El Cerebro adolescente. Una mente en construcción. Neurociencia & Psicología. Bonalletra Alcompas. ISBN 978-84-17506-54-2. España 2018.

7.-  Blakemore SJ1, Robbins TW. Decision-making in the adolescent brain. Nat Neurosci. 2012 Sep;15(9):1184-91.

8.- Quintero J, Morales I, Vera R, Zuluaga P, Fernández A. The Impact of Adult ADHD in the Quality of Life Profile. J Atten Disord. 2019 Jul;23(9):1007-1016.

9.- Elkins IJ, Saunders GR, Malone SM, Keyes MA, McGue M, Iacono WG. Associations between childhood ADHD, gender, and adolescent alcohol and marijuana involvement: A causally informative design. Drug Alcohol Depend. 2018 Mar 1;184:33-41. doi: 10.1016/j.drugalcdep.2017.11.011.

10.- Martínez-Núñez B, Quintero J. Update the Multimodal Treatment of ADHD (MTA): twenty years of lessons. Actas Esp Psiquiatr. 2019 Jan;47(1):16-22.

11.- Sikirica V, Flood E, Dietrich CN, Quintero J, Harpin V, Hodgkins P, Skrodzki K, Beusterien K, Erder MH. Unmet needs associated with attentiondeficit/hyperactivity disorder in eight European countries as reported by caregivers and adolescents: results from qualitative research. Patient. 2015 Jun;8(3):269-81. doi: 10.1007/s40271-014-0083-y

12.- Montoya A, Hervás A, Fuentes J, Cardo E, Polavieja P, Quintero J, Tannock R.Cluster-randomized, controlled 12-month trial to evaluate the effect of a parental psychoeducation program on medication persistence in children with attentiondeficit/hyperactivity disorder. Neuropsychiatr Dis Treat. 2014 Jun 13;10:1081-92. doi: 10.2147/NDT.S62487. eCollection 2014.

13.- De Ramón,I. Medina, R, García-Prieto, J. et al, Quintero, J., Artificial Intelligence digital treatment for pediatric ADHD: a proof of concept based on neurophysiological measures. Pilot Study. In press.

14.- Quintero J, Ramos-Quiroga JA, Sebastián JS, Montañés F, Fernández-Jaén A, Martínez-Raga J, Giral MG, Graell M, Mardomingo MJ, Soutullo C, Eiris J, Téllez M, Pamias M, Correas J, Sabaté J, García-Orti L, Alda JA. Health care and societal costs of the management of children and adolescents with attentiondeficit/hyperactivity disorder in Spain: a descriptive analysis. BMC Psychiatry. 2018 Feb 8;18(1):40. doi: 10.1186/s12888-017-1581-y

15.-Quintero J, Correas Lauffer, J. Quintero Lumbreras FJ. Déficit de atención e hiperactividad a lo largo de la vida. Editorial MASSON ELSELVIER. 3ª Edición. Barcelona 2009. ISBN. 978-84-458-1907-4